Em uma casa de taipa, a cerca de 30 km do centro da cidade de Teresina, moram Francisco Pereira de Oliveira, carinhosamente conhecido como Pajé, Joana Rabelo (sua esposa), Maria Sueli de Oliveira Rocha, de 12 anos (neta), e Maria Alice de Sousa Oliveira, de apenas 03 anos (neta). Mas além destes, a saudade também faz morada na humilde residência na localidade Chapadinha do Sul, situada na zona rural da cidade.
Residência dos pais de Kassandra, vítima de acidente com "Lokinho"- Foto: Alecio Rodrigues
A ausência que aperta o peito de todos na casa é de Cassandra, de 36 anos, vítima de um acidente em 6 de outubro de 2024. O pai, Francisco Pereira, fala com voz embargada ao lembrar sobre o caso da filha. Acontece que quase um ano após, a família ainda luta por justiça com o desejo de que os envolvidos, identificados como Pedro Lopes (Lokinho) e Stanlley Grabryell, sejam condenados e levados a júri popular por atropelar e matar duas pessoas, além de ferir outras duas.
Kassandra de Sousa Oliveira estava com as duas filhas no momento do acidente. Além delas, também foi vítima Marly Ribeiro da Silva, que faleceu no momento do impacto e Tiago Henrique do Nascimento, morto em uma confusão após o ocorrido. A filha mais velha de Kassandra, relata o Sr. Francisco, enfrenta sérias sequelas, com dificuldades na fala e também para caminhar. Já a caçula Alice, teve leves ferimentos físicos, mas graves traumas psicológicos. A criança ainda chama pelo nome da mãe, principalmente no momento das refeições.
A Maria Sueli ainda arrasta a fala, mas já está conseguindo comer com a mãozinha dela. Tem dificuldade para caminhar. Ela passou mais de dois meses entubada e desacordada. Já a de 03 anos teve só ferimentos leves, mas ela teve traumas. Ela dorme se espantando, tendo pesadelos. Até hoje é assim. Ela sempre que sente a mãe, ela fica sem falar com ninguém. Todo dia ela fala no nome da mãe dela. Quando ela vai comer, ela sempre diz que vai deixar um pouquinho pra mamãe Kassandra e diz que ela virou uma estrelinha no céu.
O DIA DO ACIDENTE
Ao lembrar do dia em que perdeu a filha, o Sr. Francisco não conseguiu mais segurar as lágrimas e chorou ao relatar como ficou sabendo do ocorrido. Ele explicou que a filha estava se deslocando para pegar um ônibus para voltar pra casa depois de ter votado e lembrou qual a última conversa que teve com Kassandra.
No dia da eleição, eu tinha pedido a transferência do meu título e da minha esposa e votamos aqui pertinho de casa. Ela foi com a gente transferir o título dela pra cá, mas não deu certo e ela acabou ficando no colégio Velho Monge, no bairro Porto Alegre. No dia, a gente votou e a noite eu tava ligando pra ela e a última vez que ela respondeu, ela disse que já tava voltando pra casa. Pouco tempo depois, o telefone tocou e eu atendi. Era a vizinha. Ela disse que o sobrinho dela tinha ligado perguntando se conhecia a Kassandra, que ela tinha sofrido um acidente. Eu fiquei desesperado. Logo depois a vizinha confirmou que ela tinha morrido na hora.
Francisco José, pai de Kassandra - Foto: Alecio Rodrigues
A saudade é o que vem mais acabando com a gente. É um pedaço nosso que tiraram que não volta mais. A gente até hoje tenta se confortar, mas estamos dormindo ainda na base de medicação e ainda assim fica difícil de dormir.
O RECURSO QUE ALENTOU A FAMÍLIA
Recentemente, após idas e vindas jurídicas na busca da família por justiça, a juíza Maria Zilnar Coutinho, da 2ª Vara do Tribunal do Júri de Teresina, optou por desclassificar o crime de homicídio doloso para culposo na direção do veículo dos acusados, o que deixou a família desalentada.
No entanto, o caso teve outra reviravolta no dia 19 de agosto de 2025, com um recurso apresentado pelo promotor Ubiraci Rocha, da 14ª promotoria do Júri do Ministério Público do Piauí, que foi aceito pelo desembargador José Vidal, do Tribunal de Justiça do Piauí. O recurso, definiu como erro a desclassificação dos crimes dos réus, retirando de homicídio doloso para culposo. O promotor defendeu ainda a tese de que o Tribunal do Júri seria o órgão constitucional para julgar crimes contra a vida.
Gráfico cronológico - Alecio Rodrigues
O promotor Ubiraci Rocha explica por qual razão o Ministério Público recorreu da decisão que desclassificou a denúncia de homicídio doloso contra o réu no caso “Lokinho”. Segundo a promotoria, as provas apresentadas no processo apontam indícios suficientes de dolo eventual, o que, pela Constituição, levaria o acusado a ser julgado pelo Tribunal do Júri.
Confira o momento do acidente:
Especificamente no caso do Lokinho, nós entendemos que não dava para desclassificar o crime nessas condições, pelo que foi apurado no processo, que havia uma prova razoável de que a ação dele e do companheiro se deu tendo como fundamento o dolo eventual, foi uma ação dolosa. Uma evidência disso é que eles tiraram o veículo de um lado da via e levaram o veículo para o outro lado sabendo que ali passavam pessoas. Isso é muito comportamento de quem tá assumindo o risco. A via não tinha outros carros circulando, estava iluminada, são vários aspectos. Há inclusive um laudo da PRF que chegou lá primeiramente no local que eles afirmam que ele agiu dolosamente. Nós entendemos que a juíza de primeiro grau não valorou as provas o suficiente a ponto de remeter a juri popular, esse é o fundamento do recurso. Tem um outro laudo da polícia civil que foi anexado posteriormente e nós pedimos, inclusive, que o processo fosse reaberto no Ministério Público para que nós e a parte pudesse se manifestar do laudo. Até então a gente já tinha feito as alegações finais do processo, mas sem a análise desse laudo com esse prova técnica para se buscar a verdade real do processo", completou.
A promotoria deixou claro, segundo ele, que além dos relatos dos sobreviventes sobre como ocorreu o acidente, constam ainda, no documento, um laudo pericial realizado no local do acidente, que atesta que não havia obstruções que dificultasse a condução do veículo. Também consta um laudo da polícia rodoviária federal que destaca a ausência de freio por parte do motorista no local do acidente, reforçando que o condutor assumiu o risco contra as vítimas.
Recurso apresentado pelo promotor Ubiraci Rocha
Após o revés no caso, apesar de ainda não haver uma data para o julgamento acontecer, a família afirma que voltou a confiar que a justiça seria feita e celebrou a decisão do Tribunal de acatar o recurso do Ministério Público. O pai de Kassandra, Sr. Francisco, fala com carinho sobre o promotor Ubiraci, responsável por apresentar o texto, e qual a sensação após saber que o caso novamente havia sido direcionado para julgamento pelo juri popular.
"Eu senti um alívio quando eu soube que voltou para o mesmo lugar, quando conseguiram devolver o processo para o juri popular. A gente está esperando. O Ubiraci é um promotor de verdade. Eu acredito muito em Deus e no promotor Ubiraci que entrou nessa causa e agradeço muito a Deus. Desejo que ele seja sempre esse ótimo promotor que ele é. Quando tinha saído do doloso pro culposo isso me martelou muito, eu fiquei preocupado demais. A verdade dói, mas a mentira tem as pernas curtas.
O PAPEL DA IMPRENSA NO CASO LOKINHO
Ao comentar a repercussão do acidente envolvendo o réu conhecido como “Lokinho”, o promotor Ubiraci Rocha destacou a importância da imprensa no processo, ressaltando o papel dos veículos de comunicação como instrumentos de expressão social e de cobrança por justiça.
A mídia reflete muito a inquietação do meio social. A mídia é um canal de insatisfação da sociedade que canaliza essa insatisfação através da mídia. O crime em si ele desarranja o meio social. Com esse caso especificamente quatro pessoas foram vítimas e uma criança de 11 anos de idade que fez um depoimento e qualquer pessoa que ouvisse ficaria muito comovido. Um depoimento que cortava a alma de qualquer um. Isso não podia passar em branco. A imprensa fez e faz o trabalho dela de comunicar a sociedade de como o crime foi cometido e inclusive cobrar o poder constituído e fazer parte desse processo de justiça.
Agradeço a todas as equipes de imprensa que vinheram aqui. Tenho a desejar que todos continuem fazendo um bom trabalho para chamar atenção das autoridades. A imprensa tá fazendo um papel muito importante. Todas as reportagens que já fizeram comigo e com a outra família foram excelentes, sem querer ganhar mídia em cima da gente. Todos estavam trabalhando em cima da verdade e cobrando o cumprimento da lei. A mídia mandou muito bem, pois se não fosse ela talvez nem ia ter o julgamento, ia ficar por isso mesmo, eu tô falando o que é real.
DEFESA DOS RÉUS CITA REPERCUSSÃO COMO ARGUMENTO
Após a decisão do Tribunal de Justiça por acatar o recurso do Ministério Público, a defesa dos réus Pedro Lopes e Gabryell Stanlley apresentou alegações defendendo que a repercussão do caso pela imprensa poderia comprometer a imparcialidade do julgamento pelo júri.
"Trata-se de uma conclusão que, ao nosso ver, extrapola o que as provas efetivamente demonstram sobre os fatos e suas circunstâncias. É impossível deixar de perceber que, em casos de grande repercussão, o clamor social muitas vezes exerce influência indireta sobre as decisões judiciais, o que compromete a necessária imparcialidade e a fidelidade do julgamento às provas dos autos", destacou a defesa.
A IMPRENSA TAMBÉM SERVE PARA QUE A SOCIEDADE FUNCIONE
Para Samária Andrade, professora e doutora em comunicação, o papel da imprensa, no entanto, em casos de grande repercussão social costuma apenas levantar debates sobre seus limites e responsabilidades. Embora distintos, imprensa e justiça se misturam na medida em que a cobertura jornalística pode influenciar percepções e pressões sociais, mas, para ela, o compromisso central do jornalismo deve ser com os fatos.
"Imprensa e justiça exercem dois papéis distintos. Um pode exercer influência sobre o outro, mas o principal é se ater aos fatos. No jornalismo, como acontece muita coisa, não se noticia tudo, a gente noticia os acontecimentos que têm os chamados valores notícia. Quanto mais valor notícia, mas chances de virar notícia. E esse caso está cheio de valor notícia: ocorreu um acidente - o que já rompe com o cotidiano; tem imagens que geram possibilidade de notícia, tem mortes de duas mulheres, tem duas crianças feridas, tem o fato dos envolvidos serem um influenciador e seu namorado. Então tem muitos elementos que tornam o caso impossível de não despertar o interesse social e o interesse do jornalismo em que aquilo vire notícia".Imprensa e justiça são dois papéis distintos. Um pode exercer influência sobre o outro, mas o principal é se ater aos fatos. A gente tem que reconhecer que no jornalismo, como acontece muita coisa, a gente não noticia tudo, a gente noticia a coisa dos valores notícia, o que mais tiver valor notícia vai virar a notícia e esse caso está cheio. Foi um acidente que já rompe com o cotidiano, tem imagens que geram possibilidade de notícia, tem mortes, tem duas crianças feridas, tem o fato dele ser um influenciador junto com o namorado. Foi muita confusão para dizer que isso não seria noticiado. Não há nada de estranho disso ter gerado interesse pela notícia.
A especialista reforça ainda que o fato do réu ser um digital influencer torna ainda mais importante o trabalho da imprensa. Ela considera que em um cenário em que o jornalismo não atuasse, o réu poderia apresentar apenas a sua versão dos fatos para a sociedade através das plataformas nas quais está inserido.
O fato do réu ser um digital influencer, com uma quantidade de seguidores e uma voz pública em determinados segmentos, e das vítimas serem pessoas anônimas, torna ainda mais importante o trabalho da imprensa. É a imprensa quem vai trazer informações que, de outro modo, poderiam ficar desconhecidas, a depender do poder de influência do réu.
MPPI E IMPRENSA DÃO ESPERANÇA PARA A FAMÍLIA
Apesar de ainda não saberem quando será o julgamento, a família já se sente mais consolada ao saber que a luta foi recompensada após terem a voz ouvida pela imprensa e a dor sentida pelo Ministério Público. O Sr. Francisco José relata o que gostaria de falar no dia que mais aguarda, o dia em que poderá ver a justiça sendo feita pela morte de sua filha.
O que eu gostaria de falar para os jurados é que tivessem a mente da família, da nossa e da outra vítima. Eu pediria justiça. Ver eles no lugar que devem estar para não fazer outras famílias de vítima. Eu não desejo o mal para ninguém, só quero que a justiça seja feita. Que os juízes trabalhem em cima da verdade. Nós sabemos que ela não volta mais, mas podemos evitar que eles façam com outros.

