Mário Carvalho deixou Europa para investir na Rota das Emoções

O português Mário Carvalho fez nascer um novo nível de excelência em hospedagem no litoral nordestino

Por André Pessoa

No final da década de 1990, num desses acasos da vida, chegou ao Brasil um português conhecido como Mário Jorge Roque do Vale Vieira de Carvalho, empreendedor com muitos sonhos na cabeça. O seu primeiro contato com as maravilhas naturais do litoral brasileiro aconteceu na ensolarada capital do Ceará, Fortaleza. Na cidade, ele alugou um veículo 4x4 e, irrequieto, seguiu pelo litoral norte até Jericoacoara, cruzando mais de 300 quilômetros pela praia, atravessando dunas, córregos, riachos e rios que desembocam no litoral e precisavam ser cruzados em balsas ou mesmo colocando o veículo em seu leito.

Mas, Jericoacoara famosa no mundo inteiro, em especial nos EUA e na Europa, não era o seu objetivo final. Ele seguiu por mais algumas dezenas de quilômetros pelo litoral cruzando outros rios até chegar na pequenina e isolada Camocim, quase na fronteira do Ceará com o Piauí. Não se contentou com tudo que viu nessa estrada mágica.


Rota das Emoções tem potencial para atrair turistas de todas as partes do planeta

Depois de um pequeno descanso em pousadas sem muitos diferenciais, ele seguiu por mais 120 quilômetros em direção ao Delta do Parnaíba e aos Lençóis Maranhenses, fazendo inconscientemente o percurso que anos depois iria se transformar na Rota das Emoções, entre Jericoacoara, o Delta do Parnaíba, até os Lençóis. “Fascinou-me imensamente e marcou-me de tal forma que decidi investir o meu tempo livre a planear e a conceber algo que pudesse alavancar todas as valências que existem ao longo desta rota”, relembra.

O resultado foi um projeto ambicioso, lugares onde os visitantes pudessem “viver as emoções que eu aqui vivo e vivi”. Para entender melhor esse conceito de hotelaria conversamos com Mário Carvalho que explica detalhadamente toda essa trajetória digna de um filme, uma história de sucesso. “A Rota das Emoções tem potencial para atrair turistas de todas as partes do planeta”, garante ele, afirmando ainda que esse é um dos lugares mais sensacionais de todo o litoral atlântico da América do Sul.



Participe de nossa comunidade no WhatsApp, clicando nesse link

Entre em nosso canal do Telegram, clique neste link

Baixe nosso app no Android, clique neste link

Baixe nosso app no Iphone, clique neste link


““Para atrair investimento muita coisa conta, mas os incentivos fiscais aparecem nos primeiros lugares; outro fator importante é sabermos receber e reter conosco os investidores que chegam” "
Mário Carvalho

MN- Podemos dizer que é graças ao público de fora, Sul e Sudeste do Brasil, mas sobretudo aos estrangeiros, que esse grande número de serviços de qualidade implantados nas últimas décadas na região consegue sobreviver?

MC-Os turistas estrangeiros foram pioneiros na descoberta e posteriormente na formatação do nosso produto. Arrisco dizer que Jericoacoara, tal como a conhecemos hoje, é o resultado da vinda de inúmeros turistas estrangeiros (e não só), que vieram de férias e “puxaram” pela oferta e alguns gostaram tanto que decidiram ficar por lá e aí abriram os seus hotéis e restaurantes, comércios, escolas de Wind e Kitesurf, etc. Talvez também por isso Jeri é tão misteriosa e difícil de replicar pois é uma manta de retalhos das valências, conhecimentos e culturas de variados povos europeus, americanos e nativos produzindo um grande número de produtos e serviços de elevada qualidade. Contudo, a base da enorme atratividade da nossa região continua a ser a hospitalidade calorosa do nosso povo. Aqui, mais do que em qualquer outro lugar que eu já tenha conhecido, o visitante desconhecido é naturalmente convidado a entrar na vida do povo que o recebe e não tem como recusar. Este é o grande diferencial da nossa região, que transforma a viagem de férias numa experiência de vida única. E depois, a juntar a isto, tem as praias que são mais ensolaradas, o céu tem mais estrelas, as tardes mais douradas e a noite mais beleza.

MN - Qual a importância do fluxo de turistas estrangeiros nessa parte do litoral?

MC - É muito importante. Os voos internacionais que chegam regularmente a Fortaleza trazem muitos turistas franceses, holandeses, italianos e espanhóis, entre outros. Sem eles, o negócio dificilmente conseguiria sobreviver. Por ou-tro lado, muitas vezes são esses turistas que vêm de férias, que decidem ficar e aqui abrir os seus negócios.


MN - Fale um pouco das dificuldades em manter um projeto de tão alto nível num lugar especial, mas que sofre com a pequena estrutura, falta de apoio governamental e, principalmente com o desconhecimento do trade turístico nacional com a Rota das Emoções.

MC- Começando pelo fim, acredito que hoje, uma grande parte do trade turístico nacional que trabalha os nossos segmentos de atividade, turismo ecológico e de aventura, sol e praia, desportos à vela, já conhece pessoalmente a Rota das Emoções. Desde há alguns anos que visitamos regularmente e recebemos a visita de mais de 100 operadores, agentes de viagem e travel designers da região de São Paulo, Rio, BH e Curitiba. O fluxo ainda é relativamente baixo durante grande parte do ano, mas os meses de Julho e Agosto são uma alegria para todos nós. O nosso maior inimigo é a sazonalidade, pois obriga-nos a reduzir postos de trabalho, desmotiva o pessoal, causa insegurança e dificulta a gestão no todo. A falta de estrutura (energética, transportes, educação, saúde, etc.) é uma realidade difícil de lidar pois é um ciclo vicioso: a pobreza impede a criação de estrutura e a falta desta cria mais pobreza. Precisamos atrair mais investimentos para a nossa região, criando emprego, gerando mais renda. Para atrair investimento muita coisa conta, mas os incentivos fiscais aparecem nos primeiros lugares; outro fator importante é sabermos receber e reter conosco os investidores que chegam, o que no nosso caso, na cidade de Parnaíba, foi feito calorosamente e com demonstrado interesse tanto pela prefeitura como pelo governo do estado do Piaui.

MN - Agora você acaba de lançar um novo empreendimento, dessa vez em plena praia selvagem, isolada e desconhecida na fronteira do Ceará com o Piauí. É uma nova aposta sua no crescimento do turismo nessa área?

MC - É o meu sonho mais antigo. Foi o nosso primeiro projeto, que começou a ser pensado há 15 anos atrás. De início era só um chalé de madeira e telhado de palha de carnaúba, onde íamos passar o dia para tomar banho nas águas de uma praia deserta, fazermos Kitesurf ou grelharmos um peixe fresco. Estando mais longe da cidade e sem estrada de acesso no meio da natureza agreste, foi o nosso projeto mais difícil e trabalhoso de desenvolver, pois tivemos que “esperar que a natureza se habituasse à nossa presença” e aceitar que seria essa mesma natureza quem ditaria as regras da “convivência. Tudo implantado num enorme areal numa praia deserta. Afinal, e isto faz-me rir, a estrada nem faz tanta falta, pois muitos dos visitantes chegam por mar, de Kite.

MN - Logo em seguida você comprou uma casa colonial em Parnaíba, fez uma restauração de alto nível e criou esse espetáculo. Fale um pouco desse projeto?

MC - Compramos a Casa de Santo Antônio, se bem me lembro em 2004 ou 2005. Em 2011 começamos a reforma. O projeto foi de um arquiteto amigo de Fortaleza, o Zé Porto e os acabamentos e a decoração projetados e executados pela minha mãe. Nosso objetivo era recriar, ao máximo, a percepção de uma viagem no tempo preservando o charme de outrora, mas com a inovação necessária ao conforto do presente. Planejamos que todos tivessem a mesma sensação de revisitar o passado, que vivenciam na beleza natural intocada do Delta que temos à nossa porta. Um jornalista amigo descreveu bem a nossa visão ao dizer “A Casa de Santo Antônio é sobre aventurar-se na natureza e repousar na história”.

MN - Qual o objetivo em Camocim?

MC - Começou como a casa de férias da família. Ali começamos a aprender a fazer hotelaria. Foi a minha estreia no mundo do turismo. Reconheço que é um atrevimento, nunca tendo trabalhado com hotelaria, mas eu queria muito poder estar mais tempo em Camocim e esta foi a forma que descobri de poder ficar aqui. Talvez por isso, os nossos projetos são mais casas, pois aquilo que temos para oferecer é o que sempre oferecemos nas nossas casas a quem nos visitava: interesse genuíno em bem receber e agradar.


MN - O que chamou mais atenção em Jericoacoara logo que você chegou?

MC - A primeira vez que fui a Jericoacoara há vinte e tantos anos atrás, cheguei já de noite a Jijoca, era inverno e chovia. Foi uma aventura descobrir a trilha para Jeri, entre dunas e lagoas. Apesar disso ou talvez por isso, a recordação que permanece é a emoção da aventura dessa noite e o êxtase da viagem provocado pelas belezas naturais, que encontrei no dia seguinte ao fazer as trilhas de Jeri até Camocim. A cidade de Jericoacoara, em si, não me chamou a atenção até porque em 1998 ou 1999 a oferta turística era quase inexistente ou bastante precária.


JMN - Você poderia relembrar como estava a estrutura turística dessa região quando você chegou ao Brasil pela primeira vez?

MC - Conheço muito pouco do Brasil, porque gostei tanto dessa região nordestina que hoje é conhecida como Rota das Emoções, que raramente senti vontade de sair daqui. Lembro que as estradas eram muito precárias ou quase inexistentes em alguns trechos. O equipamento hoteleiro e os restaurantes eram muito poucos e não havendo procura, nunca se desenvolvia uma oferta e eu estranhava isso pois tinha viajado muito pela Europa, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e África e nunca tinha conhecido um local tão especial como a região da Rota das Emoções. A sensação aqui era de plenitude, de uma liberdade, leveza, calor e alegria humana como nunca tinha ainda conhecido.


Jornal Meio Norte - Fale um pouco de como você ouviu falar do Brasil pela primeira vez?

Mário Carvalho - Não me lembro de quando ouvi falar do Brasil pela primeira vez. Crescendo em Portugal, o Brasil é parte de nós, na música, nas aulas na escola, nos amigos que partem e chegam do Brasil como uma segunda casa, que muitas vezes acaba por se transformar na primeira.

SEÇÕES