LONGEVIDADE E SUPERAÇÃO

PCDs 50+ enfrentam barreiras, empreendem e se tornam exemplo de inclusão

Em reportagem especial, o MeioNews detalha os desafios enfrentados por pessoas com deficiência com mais de 50 anos para empreender e como elas superaram o capacitismo para se firmar no mercado.

Imagem principal sobre energias renováveis no Brasil
Luiza Nunes enfrenta o capacitismo e supera barreiras aos 59 anos. | Foto: Raíssa Morais/MeioNews

ato de empreender é cercado de obstáculos, entreveros e desafios imensuráveis, que o tornam uma verdadeira forma de resistência. Tais barreiras são ainda mais profundas para as pessoas com deficiência – que apesar de serem uma minoria – correspondem a 7,3% da população brasileira e 9,3% a do Piauí com dois anos de idade ou mais, de acordo com o último Censo Demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).   

Para essa parcela da sociedade, empreender vai além de um sonho –um sonho calcado de muita luta, perseverança e superação... É também  uma via para romperem a invisibilidade, de serem notados, de sobreviverem a um mundo que segue menosprezando quem não se encaixa em padrões.   

Dados da população com deficiência por faixa etária (Foto: Francisco Arrais/Infográfico: MeioNews/Elaboração Própria)

#PARATODOSVEREM Os infográficos possuem a logomarca do site MeioNews e trazem como título 'População de Pessoas com deficiência no Brasil em 2022. No primeiro infográfico são detalhados os seguintes dados: Total de pessoas com deficiência: 14,4 milhões (7,3% da população de 2 anos ou mais); Mulheres: 8,3 milhões; Homens: 6,1 milhões. Na imagem ainda há a foto de um idoso com uma deficiência motora, sem a perna direita, utilizando bengala e sendo auxiliado por uma enfermeira. Já o segundo infográfico,  apresenta um card informativo com fundo preto e detalhes em amarelo e branco. No canto superior esquerdo, aparece o logotipo “meionews.com” em branco. Logo abaixo, em letras brancas, está o título: “População com deficiência por faixa etária (2022)”. À esquerda, há um quadrado com seis ícones de acessibilidade em azul e branco: cadeira de rodas, escrita em braile, lupa para baixa visão, orelha indicando deficiência auditiva, mãos representando Libras e as letras “CC” que simbolizam legendas. À direita, em destaque na cor amarela, estão listadas as faixas etárias acompanhadas dos percentuais de pessoas com deficiência: 2 a 14 anos: 5,4%; 15 a 29 anos: 10,7%; 30 a 39 anos: 8,1%; 40 a 49 anos: 13,1%; 50 a 59 anos: 17,4%; 60 a 69 anos: 17,9%; 70 a 79 anos: 14,9%; 80 anos ou mais: 12,6% Na parte inferior direita, em letras pequenas e amarelas, lê-se a fonte da informação: “Censo de 2022 do IBGE”. FIM DA DESCRIÇÃO.

Nesse universo, aos 59 anos de idade, Luiza Nunes molda sua história. Desde cedo ela aprendeu a ‘matar um leão por dia’ e assim, criou os seus três filhos e mudou o ciclo de vulnerabilidade da sua família. Hoje, com todos criados e com uma carreira, ela vê que sua missão foi cumprida.  Luiza Nunes empreende há mais de 25 anos, mesmo com todas as dificuldades, ela não desistiu (Foto: Raíssa Morais/MeioNews)#PARATODOSVEREM A fotografia mostra uma Luiza Nunes, uma mulher de meia-idade, sorridente, em um ambiente interno de fundo neutro. Ela tem pele clara, cabelos longos e escuros, penteados para trás, e veste uma blusa amarela de tecido com textura em listras verticais. Seu sorriso é aberto, transmitindo simpatia e acolhimento, com marcas de expressão visíveis no rosto que reforçam a naturalidade e alegria do momento. A iluminação é suave, destacando seu semblante sereno e confiante. FIM DA DESCRIÇÃO. 

Luiza é mais uma heroína da vida real, cega, está prestes a realizar mais um sonho – se formar em pedagogia, e ninguém duvida que logo estará de diploma na mão.  

Sua batalha no mundo do empreendedorismo iniciou há 25 anos, na época, possuía baixa visão, no entanto, com o passar dos anos a perdeu totalmente.  

Mas mesmo assim, não foi o motivo de eu parar de trabalhar com minhas vendas, né? Mesmo assim, eu continuei trabalhando com vendas. 

Na porta da escola dos filhos, ela possuía uma pequena banca com lanches, e à noite, em casa, vendia mingau e creme de galinha. Para ela, ‘não tem tempo ruim’ 

Nesse período, Luiza ainda tinha um pequeno percentual de visão, porém, foi sumindo, sumindo, sumindo... até cessar completamente 

A perda total da visão trouxe novos desafios, tornando necessária uma adaptação nos produtos que comercializa, mas como tinha uma família para sustentar e metas para alcançar, não desistiu e encarou a nova realidade com resiliência 

Atualmente, Dona Luiza comercializa roupas de cama, peças de vestuário, mas ainda não possui uma loja física, trabalha de maneira itinerante.  
Luiza Nunes verifica a textura de uma peça de roupa através do toque (Foto: Raíssa Morais/MeioNews)#PARATODOSVEREM A IMAGEM MOSTRA AS MÃOS DE LUIZA, QUE É UMA MULHER BRANCA, DE CABELOS PRETOS E LISOS, TOCANDO EM UMA JAQUETA MASCULINA DE COR MARROM. FIM DA DESCRIÇÃO. 

“Com o passar do tempo você vai buscando um modo de se adaptar, é bem mais difícil, mas eu já acostumei com o tipo de coisas que eu faço”, revela.  Milhões de brasileiros possuem alguma deficiência, seja ela física ou intelectual (Foto: Infográfico MeioNews)#PARATODOSVEREM O infográfico traz o símbolo de quatro tipos de deficiência: motora, visual, intelectual e auditiva. Na sequência são apresentados os seguintes dados: Tipos de Deficiência: Dificuldade para enxergar: 7,9 milhões; Dificuldade para andar/subir degraus: 5,2 milhões; Dificuldade para manusear objetos: 2,7 milhões; Dificuldade para ouvir: 2,6 milhões; Duas ou mais dificuldades funcionais: 2,0% da população de 2 anos ou mais. FIM DA DESCRIÇÃO. 

PCDs com mais de 50 anos são maioria

Numa sociedade capacitista e etarista, Luiza Nunes enfrenta um duplo desafio — um desafio sentido diariamente por milhões de pessoas com deficiência com mais de 50 anos de idade, faixa etária em que estão incluídas 62,8% das PCDs no Brasil, de acordo com dados do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado neste ano.

Maioria da população com deficiência possui 50 anos ou mais (Foto: Infográfico Meio News)

#PARATODOSVEREM A fotografia mostra um homem de meia-idade sentado em uma cadeira de rodas, em um ambiente interno. Ele veste uma camiseta branca simples e uma calça de moletom cinza-clara. Seu rosto não aparece por completo, mas é possível ver a barba grisalha aparada. O homem mantém as mãos apoiadas sobre os joelhos, em postura serena. Na parte inferior da imagem, sobre uma faixa preta, há um texto em destaque, em letras grandes e amarelas, que diz: “62,8% das PCDs no Brasil possuem 50 anos ou mais”. Abaixo, em letras menores, está a identificação da fonte: “Fonte: Censo de 2022 do IBGE”. No canto esquerdo, também em branco, aparece o logotipo do site meionews.com. FIM DA DESCRIÇÃO. 

A pirâmide etária da população com deficiência difere daquela observada entre as pessoas sem deficiência, em que a maioria possui menos de 50 anos. Os números escancaram o quanto é necessário dar visibilidade e alavancar iniciativas para que as PCDs se tornem protagonistas de sua própria história, sem intermediários, sem amarras, sem preconceitos. 

Não enxergo, como distinguir as cores? 

No ramo do vestuário em que Luiza Nunes atua, a diferenciação de cores, estampas, tecidos, faz toda a diferença para fechar um negócio. Sem enxergar, ela precisou buscar métodos para não prejudicar o seu trabalho e manter sua carteira de clientes 

Em tal cenário, a tecnologia é uma grande aliada no auxílio de Luiza e de todas as pessoas cegas. Na seleção dos produtos com os fornecedores e no contato com os clientes, ela utiliza um aplicativo chamado ‘Be My Eyes’, que através de um comando de voz viabiliza que seja capturada uma imagem da peça – seguida da indicação da cor que possui.  

“Às vezes, quando o aplicativo falha, fica um pouco difícil para mim vender por conta das cores, mas mesmo assim, eu não parei e continuei insistindo. E tá dando certo”, crava 
O aplicativo Be My Eyes auxilia Luiza Nunes a distinguir as cores dos produtos que comercializa (Foto: Divulgação)#PARATODOSVEREM A IMAGEM MOSTRA A MÃO DE UM HOMEM BRANCO, SEGURANDO UM APARELHO CELULAR BRANCO; NA TELA DO APARELHO HÁ A PÁGINA INICIAL DO APLICATIVO BE MY EYES. FIM DA DESCRIÇÃO.

MULHER CEGA EMPREENDE PARA AJUDAR OUTRAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA  

‘Nada sobre nós, sem nós’. O lema comumente utilizado nas campanhas anticapacitistas escancara o quão relevante é o trabalho capitaneado por Márcia Gomes. Aos 55 anos de idade, ela é empreendedora toca o projeto SONORI junto com o professor Iraildon Mota. A tecnologia, desenvolvida no Piauí, oferece soluções de audiodescrição para os mais diversos ambientes, auxiliando pessoas cegas a se sentirem incluídas em espaços como clínicas médicas, dando mobilidade e autonomia.  

Com somente 5% de visão no olho esquerdo, Márcia classifica seu ingresso no empreendedorismo como ‘um resgate’, sua trajetória teve um reviravolta no projeto ‘Mulheres de Visão’ - outra iniciativa voltada para inclusão de mulheres cegas no mercado de trabalho e na oferta de serviços para que as empresas se tornem mais acessíveis.  Empresa capitaneada por Márcia Gomes e Iraildon Mota oferece soluções de audiodescrição (Foto: Raíssa Morais/MeioNews)#PARATODOSVEREM Close de um adesivo azul e roxo do SONORI fixado na parede. No centro, há um QR Code com a mensagem “Aqui tem AUDIODESCRIÇÃO – Lei nº 13.146/2015”. Abaixo, aparece a marca SONORI com o texto “Acesso para todos os sentidos” e um número de WhatsApp para contato. FIM DA DESCRIÇÃO

Militante da audiodescrição, Márcia observou no SONORI uma oportunidade para quebrar paradigmas e dar mais liberdade a pessoas como ela. Afinal de contas, só quem realmente enfrenta diariamente as dificuldades de uma sociedade que ainda ‘engatinha’ na acessibilidade, tem a real noção da urgência em adaptar os espaços públicos e privados. 

Nós, que somos deficientes visuais, temos outros recursos para acessibilidade, mas nenhum chega com tanta ênfase e com tantos bons resultados como a audiodescrição. Nem todos os deficientes visuais têm a leitura em Braille. No meu caso, por exemplo, eu não fui letrada em Braille porque não nasci cega, eu fiquei. E, quando a gente fica, às vezes não tem acesso a outros recursos.  

De acordo com a empreendedora, a audiodescrição oferece todos os mecanismos para que a pessoa cega se sinta incluída, descrevendo o ambiente, dando uma noção do espaço. “Nos torna independentes”, revela.  


#PARATODOSVEREM O vídeo mostra Márcia Gomes, uma mulher com deficiência visual com celular na mão apontando para um QR Code do SONORI colado no vidro de atendimento da tapiocaria beijus. Ela está feliz enquanto aparece na tela do celular o aplicativo no celular do SONORI. 

Márcia Gomes parte agora para mais um desafio, em breve, junto ao professor Iraildon Mota, lançará mais um serviço, desta vez, uma tecnologia que permitirá que pessoas cegas atendam pessoas surdas e mudas com auxílio de tradução por vídeo em LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) 

O seu empreendimento não possui salas, muros ou fronteiras, ele fica no ambiente virtual, mas promove uma verdadeira revolução ao mostrar um ‘novo mundo’ - até então desconhecido – para pessoas com deficiência.  


#PARATODOSVEREM O vídeo mostra Camila Hanna mulher cega, branca cabelos pretos, sorrindo emocionada, unhas pintadas de vermelho, usando vestido na cor verde claro, com fone de ouvido, batendo palmas. Ela está sentada no gramado do estádio Albertão e ao fundo a arquibancada está lotada de pessoas assistindo ao show de Whindersson Nunes.

BOAS PRÁTICAS SÃO AMPLIFICADAS  

Any Safira mudou de vida após ingressar no SONORI (Foto: Raíssa Morais/MeioNews)

#PARATODOSVEREM Em frente à porta identificada como “Consultório 01”, uma mulher utiliza um celular encostado ao ouvido, interagindo com a audiodescrição do SONORI. Na parede, ao lado da porta, há um adesivo azul com QR Code. Acima, uma placa roxa com o símbolo de silêncio. FIM DA DESCRIÇÃO.

O ‘dom’ de comunicar de Any Safira ficou ‘enclausurado’ por muito tempo diante das dificuldades, cega de nascença, hoje está prestes a se formar em Comunicação Social, mas já verifica as portas sendo abertas através do SONORI. O exemplo de Márcia foi amplificado e abstraído pela jovem - que atua como consultora do projeto.  

As barreiras agora não parecem intransponíveis e ela ‘se joga’ para o mundo com a esperança de que seus sonhos serão realizados 

Quando eu conheci o Sonori, ele abriu portas para mim. Hoje, quando chego aqui no Hospital Previsão, eu sei o número, o nome do consultório, da doutora, a sala, o que tem no ambiente.  

Como consultora do empreendimento, Any verifica que ainda há muitas portas fechadas para a audiodescrição nas empresas, assim, toma para si uma responsabilidade diária de amplificar o projeto, no intuito de que mais ambientes sejam adaptados.  

Seria bom se cada um abrisse as portas para a gente e conhecesse o Sonori, visse como ele funciona, o que o Sonori diz, o que ele traz em independência.  

Hoje, ela que foi impactada pelo projeto de Márcia Gomes, se sente mais preparada para superar os desafios impostos pela vida e sonha com um futuro inclusivo... um futuro que permita que mais ‘Anys’ surjam e conquistem sua independência.  

O seu trabalho é um trabalho de propósito 

Eu me sinto mais forte, me sinto até independente, né? Independente porque eu ando sozinha. Aí eu chego ali: “Ah, aqui tem um Sonori”. Aí eu vou lá, faço o processo, o procedimento do QR Code: “Ah, é o consultório um, é onde eu vou me consultar”. Ali eu já fico mais próxima, já sei onde estou e não me perco. Não me sinto perdida. 

Pessoas com deficiência ressignificam suas trajetórias através da audiodescrição (Foto: Divulgação @acessosonori)

#PARATODOSVEREM A publicação apresenta uma montagem com duas imagens. A primeira mostra uma mulher sentada em um auditório. Ela é parda e possui cabelos escuros, veste uma camisa azul escura do Projeto Mulheres de Visão e usa óculos escuros. Ela segura uma bengala de ferro com cabo verde e usa um fone preto com o adesivo da Comradio. A segunda apresenta duas fotos, a de cima mostra o auditório repleto de pessoas sentadas, e a foto de baixo apresenta a equipe de audiodescrição do Sonori. 

O DESAFIO DA EXPANSÃO 

Capitaneando o SONORI junto com Márcia Gomes, o professor e jornalista Iraildon Mota esclarece que há uma miopia com relação à precisão dos resultados do que é necessário para que as pessoas com deficiência visual tenham autonomia.  

Por exemplo, quando a gente coloca o piso tátil, que é uma coisa cara — um metro de piso tátil custa entre R$ 170 e R$ 370 — ele é acionado a partir da bengala da pessoa com deficiência visual. O problema é que 80% da população com deficiência visual são pessoas com baixa visão. Elas não utilizam bengala. Portanto, é ineficiente para atender todas as pessoas com deficiência visual. 

Iraildon Mota lidera projetos com soluções para acessibilidade às empresas (Foto: Raíssa Morais/MeioNews)

#PARATODOSVEREM Homem de óculos, vestindo camisa azul clara, sorri levemente enquanto segura o celular com a tela aberta no sistema SONORI. Ele está ao lado de cartazes de “Pesquisa de Satisfação” e saída de emergência. Abaixo, um adesivo azul do SONORI com QR Code está fixado na parede. FIM DA DESCRIÇÃO.

Iraildon converge para o apontamento que 40% das pessoas com deficiência no Estado do Piauí são analfabetas e quase 52% das pessoas com deficiência visual não leem Braille. Ou seja, de acordo com ele, há uma aplicação ineficaz dos recursos, tornando assim a audiodescrição um recurso mais certeiro.

Com o quadro apresentado, fica claro que o seu empreendimento se torna uma peça essencial na inclusão social das pessoas cegas 

“Ele não vem para substituir nenhuma dessas tecnologias, mas sim para oferecer eficiência no alcance. Ele contempla a maioria das pessoas com deficiência visual — não 100%, porque há o surdocego, que utiliza outra tecnologia, que também ensinamos como usar. Mas o Sonori atende 99,9% das pessoas com deficiência visual, trazendo, em primeiro lugar, confiança”, constata. 

De acordo com o professor, a tecnologia ofertada transforma o ambiente em um ator efetivo no desenvolvimento de um comportamento inclusivo. Ou seja, não pensa somente em acessibilizar espaços, mas traz para a sociedade um processo educativo, oferecendo uma plataforma com 20 cursos.  

As pessoas que trabalham nesses locais se capacitam para entender capacitismo, direitos das pessoas com deficiência, como lidar com pessoas em crise, com autismo, com TDAH. Além disso, as mulheres do Projeto Mulheres de Visão empreendem. Desde o diagnóstico até a entrega final do Sonori, se o cliente contrata, essas mulheres são remuneradas. É um empreendedorismo às vezes invisível, mas que gera renda e impacto real. É consultoria e audiodescrição feitas por mulheres cegas — um serviço escasso e, portanto, mais valorizado. 

Hoje, a tecnologia capitaneada pelo professor Iraildon Mota e por Márcia Gomes está presente em 17 lugares, com aproximadamente 480 pontos de acessibilidade 

#PARATODOSVEREM O vídeo mostra o professor Iraildon Mota falando ao microfone, em um palco de teatro. Ao lado dele, o cantor Flávio Moura. Iraildon é um homem negro de pele clara, cabelos ralos, óculos, usa uma camisa social azul e calça cinza. Ele segura o microfone com a mão direita enquanto gesticula, falando em direção à plateia.

CORAGEM PARA LEVANTAR E PRODUZIR  

Coragem é o que não faltou para Pedro Rock durante sua trajetória, a deficiência na sua vida veio ainda no auge da juventude, ele era peão de vaquejada, e certo dia, vindo de um evento, dormiu ao volante e bateu frontalmente com um ônibus; resultado: teve perda óssea de 6 centímetros na perna esquerda, além de ter perdido o baço, quebrado a perna, retirado o tímpano e outros problemas decorrentes do acidente.  

Pedro Rock é um dos pioneiros da charcuteria no Piauí (Foto: Raíssa Morais/MeioNews)

#PARATODOSVEREM  Homem usa avental de couro, boné preto com a marca “Estância”, óculos escuros, luvas e camisa estampada enquanto segura duas espátulas. Ele usa uma bota ortopédica. Ele prepara alimentos na chapa enquanto o fogo está aceso. A cena se passa ao ar livre, com parede amarela ao fundo e estrutura típica de feira gastronômica. Utensílios e ingredientes estão organizados em mesas próximas. FIM DA DESCRIÇÃO.

“Fiz muita fisioterapia, tive força de vontade para voltar a andar. Hoje, graças a Deus, tenho uma vida normal”, comenta 

Hoje, aos 50 anos de idade, Pedro é proprietário da Agro Rock, possui uma loja em Teresina – capital do Piauí, mas também percorre feiras itinerantes, como a ‘Feirinha Verde’ com o seu quiosque de produtos.  

Pedro vende os seus produtos em uma loja própria na capital e em feirinhas itinerantes (Foto: Raissa Morais/MeioNews)#PARATODOSVEREM A imagem mostra uma chapa de ferro grande exibe uma mistura colorida e apetitosamente disposta de carnes cortadas e pimentões vermelhos, amarelos e verdes. O alimento está sendo preparado em fogo alto ao ar livre, em um evento gastronômico. FIM DA DESCRIÇÃO.

Zootecnista de formação, ele trabalhava em uma fazenda como inseminador profissional, posteriormente se especializou no curso de Caprinos e Ovinos na Universidade Federal do Piauí, desde então começou a trabalhar com agricultura familiar, prestando assistência aos pequenos produtores, com palestras, capacitações, orientação sobre sanidade, higiene, alimentação e genética.  

Percebi a dificuldade desses produtores em vender seus produtos. Foi aí que surgiu a ideia de criar a Agro Rock. Eu dou assistência, eles produzem, eu compro deles, vendo e recebo.  

Hoje, Pedro possui sua própria fazenda e fabrica os seus produtos de charcutaria artesanal – ele é um dos pioneiros do Piauí. 

A charcutaria artesanal é uma técnica para o preparo e venda de produtos de carne curada, como presunto, bacon, salsichas, confits e afinsPedro Rock já atua há mais de dez anos no mercado da charcutaria (Foto: Raíssa Morais/MeioNews)#PARATODOSVEREM Homem usa avental de couro, boné preto com a marca “Estância”, óculos escuros, luvas e camisa estampada enquanto segura duas espátulas, ele utiliza uma bota ortopédica. Ele está diante de uma chapa com alimentos, com mesa coberta por toalha xadrez ao fundo e outros cozinheiros trabalhando. FIM DA DESCRIÇÃO.

Já tenho mais de 10 anos nesse mercado. O segredo é perseverança. Já estraguei galinha, já perdi produto, mas fui tentando. Tem que trabalhar de manhã, tarde e noite. Dormir tarde e acordar cedo. Se não for assim, não dá certo.

“SOMOS NEGADOS VÁRIAS VEZES”  

O sorriso estampado no rosto de cada empreendedor entrevistado esconde trajetórias marcadas também pelo capacitismo e etarismo, e superar o preconceito é mais uma das ‘guerras’ que as pessoas com deficiência enfrentam 

Márcia Gomes, do SONORI, desabafa sobre o descrédito com que muitos tratam as PCDs, como se não fossem capazes de abrirem o próprio negócio, de se desenvolverem. Ela luta para que haja uma conscientização na classe empresarial sobre a importância da acessibilidade, e através do seu empreendimento ela vem tocando essa transformação.   

Empreender já não é fácil para ninguém, independente de ter ou não deficiência. Mas, para nós, deficientes visuais, a barreira é maior. Não temos políticas públicas que nos incluam de forma efetiva. Falta conscientização dos empresários sobre a importância da acessibilidade. Essas são barreiras que vamos quebrando aos poucos, com diálogo, informação, cursos, insistência. Somos negados várias vezes, mas precisamos ser insistentes, certeiros e mostrar que também somos empreendedores. Nosso empreendimento é diferenciado: não temos um produto de venda rápida, é um serviço que beneficia um público específico. Mas não é um favor — é uma obrigação. 

Márcia Gomes fala sobre o peso do preconceito contra as pessoas com deficiência (Foto: Raíssa Morais/MeioNews)

#PARATODOSVEREM NA IMAGEM, uma mulher de cabelos curtos e escuros, usando óculos e blusa preta com detalhes rendados, interage com o celular. Ela está acessando a plataforma do SONORI após escanear um QR Code fixado na parede branca à sua frente. FIM DA DESCRIÇÃO.

A empresária detalha a dificuldade até mesmo com os fornecedores – que não estão preparados para receberem as pessoas com deficiência, alguns até mesmo ignoram os potenciais clientes.  

Existem aplicativos que nos ajudam, mas não são certeiros. Uma empreendedora, por exemplo, não vai apenas produzir; ela precisa vender, abrir conta bancária, acessar sites — e muitos não são acessíveis. Quando vamos comprar matéria-prima, os locais não estão preparados para nos receber. Sem falar das pessoas que ignoram, que olham para nós e dizem: “Você faz isso? Você é cega?” Como se não acreditassem na nossa capacidade de realizar um trabalho e ser empreendedoras. 

Luiza Nunes – que comercializa peças de roupa, mesa e banho – e tem contato direto com fornecedores, observa uma problemática até mesmo na ampliação da base de clientes, devido ao capacitismo.  

De acordo com ela, há quem não confie no produto que ela está vendendo, por não enxergar 

"Tem preconceito sim. Essa barreira, para ser superada, é muito difícil, porque tem preconceito. Existem vários preconceitos. Existem pessoas que não acreditam que a gente é capaz de fazer isso. Existem pessoas que não confiam no produto da gente, sabe? Por conta da deficiência. Mas não é isso que fez com que eu parasse. Eu enfrentei os obstáculos e os desafios. A cada dia vem um obstáculo e um desafio diferente”, destaca. 

“A PESSOA COM DEFICIÊNCIA É VISTA COMO UM GASTO, NÃO COMO UMA PESSOA” 

Any Safira descobre um novo mundo e conquista sua liberdade através do SONORI (Foto: Raissa Morais/MeioNews)

#PARATODOSVEREM Mulher posiciona um celular junto ao ouvido, parecendo ouvir atentamente. Ela está ao lado de um adesivo do projeto SONORI fixado na parede, que contém um QR Code e a frase “Aqui tem audiodescrição”. Ela usa uma blusa com estampa tropical em tons terrosos e verdes. FIM DA DESCRIÇÃO.

O professor e jornalista Iraildon Mota, do SONORI e Mulheres de Visão, aponta que a os principais desafios para as pessoas com deficiência empreenderem são a ‘insensibilidade e a ignorância — no sentido de não entender o potencial de cada uma delas.   

Existe um processo cultural de invisibilização. Nas empresas, a situação é ainda pior. A pessoa com deficiência é vista como um gasto, não como uma pessoa. Isso mostra o desconhecimento do potencial dela. 

De acordo com o empreendedor, as pessoas com deficiência são acuadas culturalmente“Não saem de casa porque sabem que serão humilhadas, que não haverá acessibilidade”, crava. 

Iraildo relembra que temos a segunda maior população de pessoas com deficiência visual do país — 4,6% da população do Piauí, o que representa 137 mil pessoas. Porém, elas não têm acesso a cinemas, empresas, ruas acessíveis... 

Quando colocamos essas pessoas em sala de aula, como no Projeto Mulheres de Visão, e começamos a trabalhar as possibilidades, percebemos que os verdadeiros cegos somos nós. Elas só precisam de uma oportunidade. E quando a têm, entregam algo valioso: um novo olhar sobre o mundo. 

A inclusão das pessoas com deficiência ainda depende de uma mudança cultural na nossa sociedade (Foto: Reprodução)

#PARATODOSVEREM Na imagem, uma mulher branca com cabelos longos, lisos e castanhos, usa camiseta verde escrito em preto "protagonista". Está sentada e segura na mão direita um aparelho de recepção da audiodescrição. FIM DA DESCRIÇÃO. 

Outro ponto abordado versa ainda para a necessidade de formas de financiamento para pessoas com deficiência, programas de crédito específicos. Recentemente, o Piauí lançou a primeira linha para empreendedores PCDs investirem nos seus negócios, através da Agência de Fomento e Desenvolvimento do Piauí (Badespi), em parceria com a Secretaria para Inclusão da Pessoa com Deficiência (Seid); Luiza Nunes, inclusive, foi uma das beneficiadas. 

“Nosso objetivo é garantir que esse público tenha acesso a recursos que possibilitem investimentos em equipamentos, adaptação de espaços e oportunidades de empreendedorismo. Seguimos comprometidos com políticas públicas que fortaleçam a inclusão e a igualdade de oportunidades”, disse o secretário estadual Mauro Eduardo 

No entanto, aliado ao financiamento, o trabalho em torno de mudanças estruturais, e até mesmo as sociais, seguem pendentes, como ressalta Iraildon Mota 

O Projeto Mulheres de Visão começou com esse objetivo: tornar mulheres cegas empreendedoras. Mas, conforme fomos avançando, percebemos que é como uma cebola. A cada camada que tiramos, choramos. 

Segundo o empresário aponta há três pilares a serem analisados e trabalhados:  a Conscientização da sociedade sobre o potencial dessas pessoas; a apresentação dessas pessoas ao mercado, ou seja, ter o conhecimento não basta se elas não tiverem aderência ou forem ignoradas, e por fim, a acessibilidade atitudinal — de todos. “Precisamos entender que uma criança com autismo em crise ou uma pessoa cega merece respeito, não julgamento”. 

Ele complementa. “Colocar dinheiro sem pavimentar esse caminho não dá certo. O problema não é dinheiro. O problema é uma sociedade que exclui”. 

O Grande sonho 

Os sonhos não têm limites e por mais que se tente estabelecê-los às pessoas com deficiência, a história de cada deixa a mensagem que o impossível está riscado da cartilha. 

Essa mensagem é amplificada por Pedro Rock, que está reformando a sua loja e pretende expandir ainda mais os seus negócios, lançando uma rede de franquia verde, e com tanta força de vontade é difícil acreditar que ele não conseguirá, a aposta é alta que vai dar tudo certo.  

Tô reformando minha loja. Ela era bem simples, agora estou montando uma sala de produção maior, nos padrões da ANVISA e da vigilância sanitária. Quero mostrar que o açougueiro não é só o cara que corta carne, ele é um artista. Hoje ninguém compra mais só a costela, quer um carré. O peito do boi, que é uma das carnes mais duras, pode virar um brisket maravilhoso. Isso tudo envolve estudo: charcutaria, defumação, cortes especiais. Um simples pernil pode virar um bife capitão, com cinco cortes diferentes. É isso que quero oferecer.  

Pedro Rock já pensa na expansão dos seus negócios (Foto: Raissa Morais/MeioNews)

#PARATODOSVEREM A imagem mostra Pedro Rock mexendo um tacho com linguiças e carnes com o auxílio de duas espátulas. Ele é um homem branco, usa uma bota ortopédica. Ele veste uma bermuda jeans, usa uma camisa floral e óculos escuros. FIM DA DESCRIÇÃO. 

Márcia Gomes, do SONORI, sonha com um mundo mais inclusivo, que seja acessível a todos, para que as PCDs desenvolvam o máximo das suas capacidades, sem amarras, sem ‘poréns’ 

Meu sonho é que o mundo seja acessível a todos, independente da deficiência. Que as pessoas se conscientizem de que nós também somos seres humanos, e podemos estar onde quisermos e precisarmos estar. Para isso, precisamos de acessibilidade, da compreensão das pessoas. Às vezes, uma pequena atitude, seja de empresários ou do poder público, muda toda essa escalada para nós, que somos deficientes — não só visuais. 

PCDs como líderes e protagonistas: “Precisamos ocupar os espaços” 

Para quem deseja empreender e teme os ‘nãos’ do mundo, Márcia Gomes (SONORI) deixa uma mensagem de esperança e resistência. Empreender nunca será fácil, mas aos quem vencem batalhas diárias, basta dar o primeiro passo para descobrir um novo universo – ele nem sempre será receptivo, haverá dúvida e incerteza, mas é preciso começar.  

De início, a gente pode ter certeza de que o preconceito vai existir por muito tempo ainda. Medo sempre vai dar. A dúvida se realmente vamos conseguir, se vai dar certo, se teremos resultados. Mas nós somos tão capazes quanto qualquer outra pessoa. A minha palavra é: não desista. Insista. E a cada queda, levante e continue.