Um estudo feito no Brasil propõe que o consumo regular de adoçantes artificiais de baixa ou nenhuma caloria pode acelerar o declínio cognitivo, o que afeta a memória e a fluência verbal ao longo do tempo. Conduzida por cientistas da USP e publicada na revista científica Neurology, a pesquisa acompanhou mais de 12 mil pessoas durante oito anos, trazendo resultados mais abrangentes sobre os possíveis efeitos em longo prazo desses substitutos do açúcar na saúde do cérebro.
Os dados revelam uma associação significativa entre maior consumo dos adoçantes aspartame, sacarina, acessulfame-K, eritritol, sorbitol e xilitol a um declínio mais rápido na cognição global, capaz de prejudicar particularmente os domínios da memória e da fluência verbal. Os participantes que consumiram as maiores quantidades de adoçantes em geral apresentaram uma taxa 62% maior de declínio cognitivo global em comparação àqueles com consumo mais baixo. Já quando divididos por tipo de adoçante, somente a tagatose, entre os que foram avaliados, não apresentou nenhuma ligação com o declínio cognitivo na análise geral.
A autora da pesquisa, Claudia Suemoto, explicou à perda sutil e progressiva da cognição que ocorre naturalmente com o envelhecimento, mas que parece ser acelerada pelos adoçantes. “O consumo de adoçantes está associado a um declínio mais rápido do que aquele que já é esperado pelo passar do tempo”, disse ao Jornal da USP.
Uma restrição da pesquisa é que ela não incluiu a sucralose, adoçante usado atualmente, mas que não estava entre os mais consumidos no Brasil nos anos do estudo, que começou em 2008. Ainda assim, outros estudos já levantaram problemas semelhantes sobre a sucralose. É apresentado pelos pesquisadores ainda como uma limitação o fato de os dados da dieta serem autorrelatados, o que, mesmo com uso de questionários validados por especialistas, pode trazer distorção.
Mas, devido ao grande número de participantes e qualidade das avaliações, o estudo representa um avanço significativo na compreensão dos possíveis efeitos em longo prazo dos adoçantes artificiais na função cognitiva.
“Já tínhamos evidências sugerindo que eles poderiam ser prejudiciais, [estando] relacionados às doenças cardiovasculares e câncer, e agora temos mais uma relacionada à cognição. Acho que essa é a mensagem”, alertou a pesquisadora.
Questionamento antigo
Coordenadora do Laboratório de Envelhecimento na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), Claudia Suemoto contou que uma das motivações da pesquisa foi pessoal. “Eu consumia muito adoçante, gosto de refrigerante zero, e adoçava meu café com adoçante. Sempre tive essa dúvida sobre a relação entre adoçantes e o declínio cognitivo, e essa hipótese me chamou mais atenção na época em que a gente fez o trabalho sobre ultraprocessados, do qual este é uma continuidade”.
Nesta pesquisa foram usados dados do Elsa Brasil (Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto). O estudo longitudinal é um tipo de pesquisa que acompanha as mesmas pessoas ao longo do tempo, avaliando periodicamente, para verificar mudanças em variáveis específicas. “Além de uma grande quantidade de participantes, o Elsa Brasil tem um questionário de dieta excelente e nos permite pesquisar quase tudo, buscando entender se um efeito é importante ou não”, disse a neurocientista.
A estratégia escolhida foi dividir os participantes, todos com mais de 35 anos, em três grupos, aqueles que apresentavam consumo mais intenso de adoçantes artificiais até os que consumiam muito pouco ou não consumiam. Depois de um acompanhamento de oito anos, os participantes nos dois grupos de mais alto consumo apresentaram taxas 35% e 62% maiores de declínio cognitivo global; e 110% e 173% maiores de declínio da fluência verbal, respectivamente. Os maiores consumidores também registraram uma taxa de declínio de memória 32% mais alta que os demais.
Entenda os resultados
Alguns mecanismos para a associação observada podem ser neurotoxicidade e neuroinflamação provocadas por metabólitos (produtos resultantes da degradação) dos adoçantes artificiais. Mesmo que estudos em modelo animal não gerem respostas conclusivas para seres humanos, eles conseguem trazer alguns indícios e apontam em que caminho continuar pesquisando.
Estudos anteriores em roedores mostraram que o aspartame, por exemplo, pode ser metabolizado em compostos neurotóxicos, levando à neuroinflamação (mediada pela micróglia, tipo de célula nervosa que atua na imunidade) e ao declínio cognitivo.
Alguns estudos em animais também apontam para o potencial dos adoçantes de alterar a microbiota intestinal, o que pode impactar a tolerância à glicose e afetar a integridade da barreira hematoencefálica, uma estrutura que envolve e protege o sistema nervoso central de agressores, sejam moléculas ou microrganismos.
“Nossas descobertas sugerem a possibilidade de danos a longo prazo do consumo de adoçantes, particularmente adoçantes artificiais e álcoois de açúcar, para a função cognitiva”, escrevem os pesquisadores.
Sobre as mudanças nas recomendações por parte de órgãos e associações de saúde, Claudia Suemoto defende que mais pesquisas são necessárias, principalmente ensaios clínicos, em que os participantes são avaliados em condições mais bem controladas. Ela pede cautela também com a interpretação dos números, assim como os de qualquer pesquisa: “Qualquer risco relativo, quando eu divido um coeficiente por outro, vai resultar nesses números grandes”, pondera ao Jornal da USP.
Mesmo assim, considerando que outros estudos como esse encontraram resultados semelhantes, além do fato de os adoçantes artificiais serem ingredientes de alimentos ultraprocessados, já associados a problemas cognitivos em outras pesquisas, a mulher opina que seu uso regular deve ser repensado.
Apesar de não ser considerado neste estudo, o consumo de sucralose já foi associado em outras pesquisas à diminuição do desempenho da memória e da função executiva, também possivelmente ligada a alterações do microbioma, neuroinflamação e neurotoxicidade dos metabólitos do adoçante.
Quanto à tagatose, que não apresentou associação com o declínio cognitivo no estudo, vale o mesmo raciocínio: ainda não dá para afirmar que “tudo bem, pode consumir à vontade”, disse. “É uma evidência que precisa ser corroborada por outras antes de mudarmos as políticas públicas, como aparecer alguma informação na embalagem, por exemplo”, completou Claudia Suemoto.
Uso de adoçantes
Renata Levy também desaconselhou o uso de adoçantes. Apesar de não ter participado do estudo, a profissional tem larga produção científica em epidemiologia nutricional, em particular no tema ultraprocessados, e comentou os resultados a pedido do Jornal da USP. “Não apenas eu [desaconselho], mas também a Organização Mundial da Saúde, que em 2023 publicou a diretriz WHO Guideline on the use of non-sugar sweeteners. No documento, a OMS não recomenda o uso de adoçantes sem açúcar para controle de peso corporal ou redução do risco de doenças crônicas, como diabetes tipo 2 e as cardiovasculares, em adultos e crianças. A única exceção é para pessoas com diabetes, nas quais o uso pode ter indicação específica.”