Remédios: enfim, um tratamento precoce de verdade (que precisa ficar mais acessível)
Em 2020 e 2021, os médicos que atuam na linha de frente precisaram aprender na marra a tratar os pacientes hospitalizados com covid. Na experiência de vida real, eles entenderam a importância da oxigenação e de certos medicamentos anti-inflamatórios, ao passo que outras pesquisas comprovaram a ineficácia de algumas drogas contra a covid, como a hidroxicloroquina, a ivermectina e a nitazoxanida.
Nesse meio tempo, também chegaram ao mercado novas alternativas terapêuticas, como os representantes das classes dos anticorpos monoclonais e dos bloqueadores do receptor de interleucina-6. Mas eles só estão indicados para os casos mais graves e têm um preço bem elevado, o que dificulta seu acesso.
O cenário começou a se modificar recentemente, com a chegada dos primeiros antivirais desenvolvidos contra a covid-19. Alguns desses fármacos, produzidos por Pfizer e Merck (MSD, no Brasil), já foram liberados pelas agências regulatórias nos Estados Unidos e na Europa.
No Brasil, o medicamento da MSD foi submetido para análise da Anvisa, que deve dar uma resposta em breve, possivelmente no início de 2022. "Esses antivirais são bons e podem ter um papel importante, mas as próprias farmacêuticas tomaram o cuidado de deixar claro que eles não são milagrosos", pontua Pasternak.
Bellei, que também atua como consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, do Ministério da Saúde e da OMS, destaca que, para obter um desfecho satisfatório, esses novos remédios devem ser ofertados logo no início da infecção pelo coronavírus. "Eles precisam ser administrados precocemente para alcançar um bom resultado", destaca.
A infectologista reforça que é primordial que os antivirais cheguem ao mercado com um preço acessível, para que eles realmente sejam usados em larga escala.
"Essas drogas não podem custar caro. Precisamos pensar em parcerias público-privadas, distribuição por programas como o Farmácia Popular, disponibilidade no Sistema Único de Saúde…", lista.
Diagnósticos: os testes evoluíram, mas Brasil continua às cegas
Desde o início da pandemia, a OMS orientou que um programa de testagem, isolamento de casos positivos e rastreamento de contatos era essencial para entender o nível de transmissão viral dentro de um país ou de uma região.
E diversas nações desenvolveram políticas sólidas para diagnosticar e isolar pacientes infectados, antes que eles passassem o vírus adiante.
Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que o nosso país não desenvolveu até agora nenhuma ação concreta para aumentar o diagnóstico e a vigilância de covid.
"O Brasil sempre tateou no escuro e nunca tivemos dados confiáveis sobre o número de casos porque não testamos o suficiente", critica Pasternak.
"Um símbolo dessa falta de controle é o fato de que a variante Gama, que surgiu em Manaus, foi detectada pela primeira vez no Japão", recorda a microbiologista. Croda lembra que os recentes ataques aos sistemas de informática do Ministério da Saúde pioraram ainda mais a situação.
"Pelos relatos que recebemos de nossos colegas, há um aumento substancial de casos de covid acontecendo agora, mas isso não se reflete nos dados oficiais, que estão represados", informa.
"Estamos vivendo uma onda silenciosa de infecções de ômicron e nem notamos isso, porque não temos uma política de testagem adequada", concorda Hallal.
Máscara e distanciamento: medidas não farmacológicas (e novos hábitos) serão adaptados à realidade de cada momento
Hallal também lamenta que as medidas de prevenção da covid-19, como o uso de máscaras, o distanciamento social e a prevenção de aglomerações, tenham sido encaradas no Brasil como se fossem questões político-ideológicas. "Isso deveria ser tratado do ponto de vista técnico e científico. Essas medidas vão ser mais ou menos necessárias a depender do estágio da pandemia", diferencia o epidemiologista.
"Há um mês, na Califórnia, os números de casos e mortes por covid eram bem baixos, então fazia sentido a orientação de que os vacinados não precisavam usar máscara. Agora, com o avanço da ômicron, voltar novamente com as máscaras é uma medida adequada", exemplifica.
Ou seja: a tendência é que, ao longo de 2022, restrições e liberações dependam cada vez mais do cenário epidemiológico — e é importante que as políticas públicas sejam atualizadas rapidamente, de acordo com a situação de momento. Croda, da FioCruz, concorda. "O retorno de qualquer medida restritiva precisa estar relacionado a um aumento na taxa de hospitalizações e óbitos."
Mas o infectologista entende que, com o avanço da vacinação e o alto número de pessoas que tiveram covid, é difícil pensar que em 2022 teremos superlotação de leitos e até um colapso do sistema de saúde da mesma magnitude observada em alguns Estados brasileiros ao longo de 2020 e 2021.
"Com o espalhamento da ômicron pelo país e as festas de final de ano, podemos esperar um aumento de casos e de internações, mas nada como aquilo que vimos num passado recente", interpreta.
Os especialistas indicam ficar de olho nas recomendações das autoridades sanitárias e fazer uma avaliação de risco de cada situação e contexto. Enquanto a pandemia persistir, vale fugir sempre que possível de aglomerações, usar máscaras de boa qualidade ao sair de casa e priorizar encontros ao ar livre — além de, claro, tomar as duas ou três doses de vacina nos prazos estipulados.
Já Bellei, da Unifesp, espera que a experiência com a covid-19 tenha ensinado às pessoas sobre um hábito essencial: o isolamento solidário quando se está com sintomas de infecção respiratória.
"Quem está com sinais de gripe, resfriado ou covid, precisa ficar em casa para não transmitir o vírus para as outras pessoas", recomenda.
A médica também vê que a exigência do passaporte da vacina para entrar em alguns estabelecimentos pode virar uma prática cada vez mais comum daqui pra frente.
"As doenças respiratórias virais são doenças sociais. Se eu estou infectado, posso afetar a vida de muita gente ao meu redor", diz.
"Sou a favor da educação, mas falamos de uma doença para a qual existe vacina. Se a pessoa escolhe não tomar, ela tem maior risco de se infectar, incubar o vírus em seu organismo e pôr os outros em risco no simples ato de cantar ou conversar", completa a infectologista.
De forma geral, os especialistas entendem que o ano de 2022 vai começar muito melhor do que 2021. "A virada de 2021 foi péssima, talvez a pior de nossa história. Não tínhamos vacinas à disposição e estávamos com a variante gama se espalhando país adentro", relembra Hallal. "O ano de 2022 se inicia com a disseminação da ômicron, mas agora temos os imunizantes como grandes aliados", complementa o epidemiologista.
"Pensa em tudo o que fizemos em apenas doze meses. Há um ano, a enfermeira Mônica Calazans era a primeira a receber a sua dose no país. Depois dela, outros 165 milhões de brasileiros foram tomar a vacina", compara Pasternak.
Croda reforça o recado de que o eventual término da situação pandêmica em 2022 não significa que o coronavírus deixará de ser um problema.
"Mesmo se a pandemia chegar ao fim, a covid não desaparecerá do mapa. Ela continuará a ser uma doença endêmica, com um impacto importante nos serviços de saúde, mas nada comparado ao que aconteceu em 2020 e 2021."
Já Bellei destaca que a experiência atual servirá de aprendizado para as outras doenças infecciosas com alto potencial de espalhamento. "Precisamos entender que outras pandemias virão. E vamos necessitar de mais agilidade nas ações e nas avaliações das políticas públicas", antevê. "Tudo que a gente aprendeu nesses últimos dois anos vai servir para lidar com essa e com as futuras crises sanitárias que veremos pela frente", conclui a infectologista.