A Justiça do Rio de Janeiro decidiu absolver sete dos réus no caso do incêndio que matou dez garotos da base do Flamengo, em 2019. A tragédia no Ninho do Urubu completou seis anos sem que houvesse condenações.
Na decisão, o juiz Tiago Fernandes de Barros, da 36ª Vara Criminal, afirmou que a Polícia Civil e o Ministério Público não conseguiram apresentar provas suficientes para responsabilizar criminalmente os acusados.
O incêndio ocorreu em 8 de fevereiro de 2019, quando um ar-condicionado pegou fogo em um dos dormitórios improvisados em contêineres. As chamas se espalharam rapidamente e tiraram a vida de dez adolescentes entre 14 e 16 anos — sonhos interrompidos em segundos.
Entre os absolvidos estão diretores do clube e engenheiros ligados à empresa que instalou os contêineres e o sistema elétrico: Antônio Marcio Mongelli Garotti (diretor financeiro do Flamengo), Marcelo Maia de Sá (diretor-adjunto de patrimônio), Claudia Pereira Rodrigues, Danilo da Silva Duarte, Fabio Hilario da Silva e Weslley Gimenes (todos da NHJ, responsável pelos contêineres), além de Edson Colman da Silva, da empresa de refrigeração que instalou os aparelhos de ar-condicionado.
A seguir, os principais argumentos usados pelo magistrado para inocentar os sete acusados.
Falta de culpa comprovada
Segundo o juiz, não houve como vincular o incêndio à conduta direta de nenhum dos réus. Ele entendeu que todos agiram dentro dos limites de suas funções e não violaram deveres técnicos ou de segurança.
“O simples conhecimento de irregularidades administrativas, sem poder técnico ou decisão de interdição, não configura culpa penal”, escreveu o magistrado ao se referir ao diretor financeiro Antônio Garotti.
Sobre os engenheiros da NHJ, o juiz destacou que cada um desempenhou sua função confiando que os demais também atuavam corretamente.
Os contêineres, segundo ele, foram montados com materiais certificados internacionalmente e de acordo com as especificações pedidas pelo clube.
Sem ligação direta entre os réus e o início das chamas
A Justiça concluiu que não há prova de que as ações — ou omissões — dos acusados tenham provocado o incêndio.
O magistrado destacou que o projeto elétrico original, feito por um engenheiro, foi alterado depois pelo próprio Flamengo. Essa modificação, segundo ele, inviabilizou qualquer tentativa de apontar um elo direto entre o fogo e a atuação dos réus.
Para o juiz, não existe uma “cadeia causal” que comprove o incêndio culposo: uma sequência lógica entre erro humano, ignição e tragédia.
No caso de Edson Colman, dono da empresa que instalou os ar-condicionados, as provas mostraram que ele não mexeu no equipamento que iniciou o fogo no quarto 6. “Não houve violação de dever de cuidado nem relação direta com a ignição”, diz a sentença.
Origem do incêndio segue incerta
O juiz também destacou a falta de clareza sobre o que realmente causou as chamas. O laudo do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) e a denúncia do Ministério Público não conseguiram apontar com certeza a origem do fogo. Segundo Barros, a perícia apresentou apenas uma hipótese técnica, sem base empírica sólida, o que deixou “dúvida razoável” sobre o que aconteceu.
“Quando a dúvida nasce do próprio saber especializado, a absolvição é não apenas justa, mas juridicamente necessária”, escreveu o magistrado.
O juiz apontou que a perícia não fez testes laboratoriais e se apoiou apenas em manuais, deixando aberta a possibilidade de falha interna do motor, sobrecorrente, contato resistivo ou até defeito de fabricação do equipamento.
O advogado Yuri Sahione, que representa a empresa NHJ, afirmou que a decisão reconhece erros na apuração inicial da Polícia Civil e do Ministério Público.
“A acusação foi construída de trás para frente, ignorando laudos técnicos e certificações internacionais. A investigação nunca foi conclusiva quanto à causa do incêndio”, disse Sahione.
Para ele, a absolvição é “o único desfecho possível” diante da falta de provas concretas.
Relembre a tragédia
Os jovens atletas dormiam em contêineres adaptados como dormitórios provisórios no centro de treinamento do Flamengo, na Zona Oeste do Rio.
O fogo começou durante a madrugada e se espalhou rapidamente. As estruturas metálicas e o material inflamável agravaram as chamas, que deixaram dez mortos e três feridos.
Na época, o CT não tinha alvará de funcionamento — fato confirmado pela Prefeitura do Rio.
Onze pessoas chegaram a responder por incêndio culposo qualificado e lesão corporal grave. Entre elas, o então presidente Eduardo Bandeira de Mello e outros dirigentes.
Seis anos depois, a tragédia que comoveu o país segue marcada pela ausência de punição e por famílias que ainda esperam por justiça.