Dunga nega fama de bravo, impõe regras no Internacional

Técnico admite não se preocupar em agradar quem não trabalha com ele

Avalie a matéria:
|
FACEBOOK WHATSAPP TWITTER TELEGRAM MESSENGER

Dunga chegou à sala de imprensa do CT do Internacional para conceder a entrevista e passou cerca de dois minutos atento a mensagens em seu telefone celular. Sentou-se ao lado do repórter sem cumprimentá-lo e, nas primeiras respostas, nem sequer olhava em seus olhos. Depois de 40 minutos, mais do que o prazo que havia estipulado, estava mais relaxado na cadeira, sorridente e batendo papo.

Isso revela uma das características de Dunga: ele é desconfiado. Principalmente com jornalistas. Outros traços de sua personalidade são facilmente identificados em frases e palavras-chave usadas durante a conversa: regras, postura, conduta, moral, ética, trabalho, respeito, hierarquia... Ele também é certinho. Quase militar.

A imagem de homem bravo não é totalmente verdadeira. É o que garante o treinador colorado. O rótulo rendeu uma hilária sequência de vídeos na época da Copa do Mundo de 2010, na África do Sul, quando comandava a seleção brasileira. As inúmeras e ríspidas discussões com jornalistas inspiraram uma sátira do filme ?Um dia de fúria?, em que o ator Michael Douglas, dublado como se fosse Dunga, destilava sua ira contra imprensa e adversários. Até o atacante Robinho virou personagem. Engana-se quem pensa que a brincadeira deixou o técnico irritado.

- Passei os vídeos para os jogadores na Copa. Achei graça, foi muito bem montado, bem feito. Foi o momento de dar uma relaxada, todo mundo deu risada, e também para mostrar como as pessoas enxergam de fora, sem conviverem diretamente comigo. Criaram essa imagem que estou sempre invocado, não é assim.

A verdade é que Dunga não se preocupa em fazer agrado aos que não trabalham com ele. Por outro lado, defende seus parceiros com unhas e dentes, sem medir esforços. Ao lado deles, joga futebol, se diverte e até conta piadas, embora diga que não possui tanto talento para fazer as pessoas rirem. A explicação para o comportamento tão distinto é simples:

- Quem trabalha comigo resolve meus problemas. Os outros só vão me criar mais.

É dessa forma que o capitão do tetracampeonato da seleção brasileira, em 1994 nos Estados Unidos, tenta conquistar a todos no Inter. Com transparência e ?regras de convívio?. Após dois meses de trabalho, Dunga está na fase inicial: entender como pensa cada jogador, e como deve lidar com cada um deles. Em seus times, cobrança vai existir sempre, mas de maneiras diferentes.

Alguns são pressionados com mais ênfase, voz dura. Com outros, o técnico acha que funciona melhor uma ironia fina, quase em tom de brincadeira. Mas de uma coisa ele não abre mão: falar a verdade, por mais incômoda que seja.

- As pessoas têm de aprender a confiar em ti. Elas vão ouvir coisas de que não gostam, mas saberão que você está falando a verdade.

Entre as ?regras de convívio? estipuladas por Dunga no Colorado estão: fazer com que todos se sintam importantes e promover momentos de união. As refeições, por exemplo. Algo que ele carrega desde os oito anos de idade, quando limpava e lustrava a casa, arrumava as camas, comprava comida... O pai trabalhava, a irmã estudava, e a mãe fazia as duas coisas. O almoço e o jantar eram os únicos instantes de família reunida.

Nos dois anos e meio em que ficou sem trabalhar no futebol, depois da derrota para a Holanda nas quartas de final da Copa de 2010, Dunga se dedicou à família, aos investimentos e a obras sociais. Ele está prestes a finalizar uma casa para pessoas com síndrome de Down e tem projetos destinados a crianças, idosos e moradores de rua. Nesse período, recebeu convites sedutores. No primeiro ano, clubes europeus lhe ofereceram um bom dinheiro, mas não estava em seus planos largar a família. Depois, outros brasileiros, como o São Paulo, o procuraram. E Dunga usa uma comparação inusitada para explicar por que não aceitou.

- Eu queria ter convicção de que o clube queria aquilo, que não estava me chamando porque a torcida ou a imprensa falavam. Tinham de querer um técnico com o meu perfil de atacar logo e resolver os problemas, tomar atitudes. É como o alcoólatra, que sabe que precisa de ajuda, mas no fundo não quer. Será que os clubes realmente queriam aquelas mudanças?

Outra lembrança que o comandante traz da infância é o momento sagrado de hastear a bandeira e cantar o hino nacional, às segundas-feiras, na escola. Desde os berros e a taça do mundo erguida com a camisa 8 na Copa de 1994 até o discurso nacionalista, em que pregava o amor à Seleção, quando se tornou técnico, Dunga sempre fortaleceu a imagem de patriota nato. Se quiser irritá-lo, basta menosprezar um símbolo do Brasil.

O gaúcho acha uma bobagem, por exemplo, a lei que determina a execução do hino antes de cada jogo de futebol. Para ele, é marketing, e seria mais importante investir no patriotismo das crianças. Apesar da postura quase militar, Dunga não serviu o exército, mas lamenta a banalização da instituição.

- Já vou ser polêmico, né, mas antigamente os jovens com uma conduta errada iam para o exército e voltavam diferentes. Depois de alguns episódios, marcamos o exército como se fosse todo ruim, mas deve ter coisas boas: disciplina, hierarquia, conduta. Hoje em dia, o cara ter moral e caráter é exceção.

Dunga é um homem de opiniões firmes. Mano Menezes e os ?craques? da atualidade que o digam. Num camarote do carnaval no Rio de Janeiro, o ex-comandante disse que a Seleção não tinha definições, e agora, com Felipão, tem um rumo. Durante a entrevista, ele reforçou a crítica a Mano:

- Em uma seleção com 12 goleiros e dez atacantes, não pode ter uma definição. Todos pensam isso, mas têm medo de falar. Se tu vai concordar com o Felipão é outra coisa, mas ele tem convicção.

A banalização do termo ?craque? também o enlouquece. Ele acha que a geração atual de atletas, coberta de mimos e cuidados, não é capaz de enfrentar grandes dificuldades, reflexo do que ocorre com a juventude na sociedade. Para receber de Dunga o rótulo de craque, é preciso ostentar currículo invejável. Currículo que Neymar, por exemplo, ainda não tem.

- Tem de jogar bem por três ou quatro anos no Campeonato Brasileiro, depois jogar bem na Seleção e ganhar. Tem de ter o nome formado e ganhar. Tem que ganhar!

Inspirado em técnicos como Jair Pereira, Sebastião Lazaroni, Parreira, Zagallo, Jair Picerni, Felipão e Sven-Goran Eriksson, Dunga garante ter sido muito feliz na Seleção. Ele só não era feliz quando se sentava na cadeira para dar entrevistas. Sua maior bronca é com jornalistas que não aceitavam opiniões contrárias, e com os que, à distância, palpitavam sobre o time.

O confronto era tão aberto que o técnico passou a fazer pesquisas e se informar para, se fosse preciso, contestar os repórteres com fatos. Foi o que ocorreu quando foi questionado sobre a ausência do atacante Nilmar da convocação, e, sem muito tato, respondeu que o jogador havia passado por uma cirurgia na véspera. O que é um bom jornalista para Dunga?

- É aquele que dá notícia. Muitos fomentam, inventam, dão a notícia do amigo, dão a notícia contrária porque não ganharam uma entrevista, criam a todo instante, sabem a verdade, mas não escrevem porque não vende. Na Seleção tem muito disso.

Muito mais simpático do que em sua chegada à sala, Dunga avisou que precisava trabalhar. Soa esquisito, mas esse é o primeiro clube de futebol que ele treina. Ao contrário da seleção brasileira, em que tinha tempo para avaliar decisões e ter uma margem de erro menor, no Internacional o desgaste é ampliado. Dunga cuida de tudo para garantir que, no campo, nada atrapalhe seu grupo. E domingo tem Gre-Nal, às 16h em Caxias do Sul, válido pelas quartas de final da Taça Piratini.

Sempre se dizendo apoiado em regras, postura, conduta, moral, ética, trabalho, respeito, hierarquia... Esse será o roteiro do Colorado em 2013.



Participe de nossa comunidade no WhatsApp, clicando nesse link

Entre em nosso canal do Telegram, clique neste link

Baixe nosso app no Android, clique neste link

Baixe nosso app no Iphone, clique neste link


Tópicos
SEÇÕES