Aspergers supertalentosas: autismo além das limitações

Ana Cândida e Juliana Veras têm autismo e talentos natos. Uma tem o dom do canto, a outra expressa as mais profundas emoções e sentimentos através da fotografia.

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Ao ouvir “Eu Só Quero Um Xodó”, de Dominguinhos, na voz doce e aveludada de Juliana Veras, é impossível não se emocionar. Ou sentir a verdade única das fotografias de Ana Cândida, que faz montagens com miniaturas que expressam as mais profundas emoções e sentimentos dela mesma. Conheça agora as aspergers supertalentosas.

Ser autista não é sinônimo de incapacidade. Em muitos casos é sinônimo da bênção da virtuosidade. Ou da sensibilidade artística, inata. Pessoas iluminadas que expressam em melodias e imagens captadas pela luz a potência do próprio ser. Conheça a história de Ana Cândida e Juliana Veras.

Ana Cândida Carvalho: fotografia de miniaturas em viagens oníricas

“Eu comecei a fotografar para dispersar o que eu pensava. Eu sempre tive dificuldade para me expressar. Então comecei a escrever releases das fotos e trabalhava em cima disso, com base nos meus pensamentos. Tudo que tem nas fotos tem algo escrito antes. Eu não publico muito os releases porque não quero direcionar o pensamento das pessoas, quero que elas encontrem os significados”, explica Ana Cândida Carvalho.

Ana Cândido | Crédito: José Alves Filho

O trabalho de Ana é bastante peculiar e repleto de significados. Com uma câmera na mão, ela pensa em montagens com o uso ou não de ferramentas de edição de imagem. Miniaturas e brinquedos são as personagens de verdadeiras viagens oníricas. “Até fotos com pessoas gosto de colocar alguma temática. Para cada símbolo um significado. Gosto de usar máscaras. A ideia de máscara social. Uso cabeças de boneca que são como se fossem alter-egos. Tenho alguns elementos com edição de imagem, coloco coisas derretendo. Tipo o surrealismo de Dalí, que tem base na psicanálise. Uso brinquedos que fizeram parte da minha vida”, acrescenta a fotógrafa, que também trabalha como auxiliar administrativa na Associação dos Amigos dos Autistas (AMA).

A produção é repleta de significados. O diagnóstico tardio foi um impulsionador. “Essas fotos com esse perfil comecei em 2013. Depois que fui descobrir o autismo, aí que comecei a fazer mesmo. Fiz uma série fotográfica só falando sobre autismo. Fiz uma exposição dessas fotos no Museu do Piauí no ano passado. Descobri que era autista apenas aos 30 anos. Quando soube, passei a estudar o assunto e botar o que eu pensava para fora”, revela.

Crédito: José Alves Filho

Hoje, aos 35 anos, ela pensa de forma positiva. “Eu costumo dizer que o diagnóstico tardio me fez aprender muito. Eu observava o entorno e as pessoas. Desenvolvi a habilidade de olhar para o outro de uma forma diferenciada, tentando aprender com o comportamento do outro. O diagnóstico do asperger aconteceu após uma crise depressiva, por conta do trabalho”, lembra. (L.A.)

Juliana Veras: voz doce de afinação precisa

Juliana Veras esconde um talento que não cabe em si: o canto. Após fazer canto I e canto II em uma escola de música em Teresina, a estudante aflorou o talento e virtuosidade que sempre teve. O diagnóstico de asperger desde criança permitiu um bom desenvolvimento à moça, que hoje sonha em viver da própria música.

Juliana tem o dom do canto | Crédito: Raíssa Morais

O talento de Juliana já experimentou cantar em público durante congressos sobre autismo. Com o talento reconhecido, hoje ela canta através das redes sociais. Mas quem a conhece tem a certeza que ela nasceu para os palcos, principalmente ao observar a desenvoltura que ela tem. Além de talento, muito carisma.

Ela entrou na escola com três anos, onde a família identificou o transtorno. “A descoberta foi na escola, porque eu era muito agitada. Não parava quieta. Pulava, gritava. Enchia a paciência de todo mundo. Atualmente estou no primeiro ano do Ensino Médio. Quero terminar e fazer arte ou história da arte. Ou música. Mas uma coisa tenho certeza: quero nada com exatas!”, brinca Juliana.

Os estilos que a moça canta são os mais variados possíveis. “Forró das antigas, bossa nova, MPB. Gosto muito de Carmen Miranda, Clara Nunes, Nara Leão, Elis Regina, Roberto Carlos, Padre Fábio de Melo e Cauby Peixoto, que sou tão apaixonada que botei o nome dele no meu gato, o Cauby. Ele é praticamente meu filho e terapeuta”, acrescenta a talentosa cantora. (L.A.)

Ouça a bela voz de Juliana Veras:

Autismo não tem causa única

Para Adilson Fortes, psiquiatra da infância e adolescência, o autismo não pode ser reduzido a uma única causa. “Com relação à causa do TEA (Transtorno do Espectro Autista), não há uma única etiologia e várias hipóteses com relação a sua origem têm sido levantadas, desde fatores ambientais ou injúrias tóxicas nos períodos pré, peri e/ou pós-natal a predisposições genéticas. A interação entre estes dois grupos de fatores determina o desenvolvimento do quadro”, explica o médico.

Crédito: Shutterstock

No entanto, o fator genético parece falar mais alto. “Há um importante componente familiar como causa do autismo e vários estudos demonstram um risco aumentado de uma família já com um filho portador de TEA vir a ter um novo caso nela. Além disto, há uma grande concordância entre gêmeos portadores do transtorno. Entre os fatores ambientais, citamos a exposição a substâncias tóxicas, insultos perinatais e/ou infecções durante a gestação, parto ou nos primeiros meses após o nascimento da criança que funcionam como fator desencadeador em crianças que já têm uma predisposição genética ao TEA”, revela o médico. 

Através de um processo neuroinflamatório, estas condições aumentam a chance do autismo se desenvolver. “Entre estes: infecções congênitas como a rubéola, citomegalovírus e toxoplasmose, doenças metabólicas como a fenilcetonúria e mucopolissacaridoses, insultos ao sistema nervoso central, como encefalite, meningite bacteriana e intoxicação por chumbo. Há ainda algumas síndromes genéticas onde crianças com predisposição ao TEA têm maior possibilidade de desenvolverem o transtorno, como Esclerose Tuberosa e Síndrome do X-Frágil”, acrescenta Adilson Fortes.

O psiquiatra ressalta que o autismo é uma condição complexa. “Caracteriza-se por alterações no comportamento da criança de forma muito precoce desde a infância. Entres estas alterações, observa-se prejuízo persistente na comunicação e interação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades”, aponta.

De forma precoce, na maioria dos casos, observa-se prejuízo no contato visual, dificuldade para reconhecer as emoções maternas, desinteresse por brincar de forma compartilhada com outras pessoas ou crianças, ausência de reações ou indiferença a estímulos diversos. “Atraso no desenvolvimento da fala ou linguagem não funcional, repetição de sons guturais, como gritos ou de palavras ou frases sem intenção comunicativa, movimentos repetitivos, apego excessivo a objetos ou brinquedos, brincar de forma não usual com brinquedos, interesse por partes deles e não como um todo. Interesses restritos aos mais diversos temas e apego excessivo a rotina.  Porém, há uma série de comportamentos que podem sugerir o TEA e que necessitam de uma adequada investigação. Muitos dos sintomas se tornam mais nítidos à medida que o bebê cresce”, esclarece Adilson Fortes.

Crédito: Reprodução

Não existem duas crianças com TEA iguais

“Cada uma é única”, ressalta o psiquiatra Adilson Fortes. “O autismo e condições correlacionadas são agora conhecidas como TEA (Transtorno do Espectro Autista). O uso da palavra espectro significa que a apresentação do transtorno pode variar muito de uma criança para outra, a depender da gravidade, da idade da criança e da presença de comorbidades psiquiátricas”, completa.

Até antes da última atualização do Manual dos transtornos (DSM-V) mentais pela Associação de Psiquiatria dos Estados Unidos (APA), em 2013, havia muita dificuldade e cada subtipo de autismo recebia uma especificação. “Agora cada subtipo recebe a denominação de TEA”, lembra Adilson.

O talento de muitos autistas depende do próprio esforço deles. “Na verdade, nem todos portadores de TEA leve (que agora inclui a Síndrome de Asperger) possuem altas habilidades ou são superdotados. A grande maioria tem interesses restritos a algum tema e nele se aprofundam mantendo sua atenção excessivamente neste assunto. Como consequência, há um grande desenvolvimento, conhecimento ou habilidade específica nesta área. Infelizmente, nem sempre as outras se desenvolvem adequadamente, o que traz prejuízos na vida delas”, considera o médico.

Muitos autistas levam uma vida normal, mas isso depende da gravidade de cada um. “Existem alguns fatores que determinam o grau de funcionalidade de cada portador de TEA, entre eles, a presença e o grau de deficiência intelectual, ser um autista verbal ou não verbal e a presença de outras comorbidades psiquiátricas. Um adulto portador de TEA grave, deficiência intelectual grave, hiperatividade e que não fala terá menos funcionalidade do que um outro apenas com TEA leve, que não possua estes outros transtornos e que tenha uma linguagem verbal adequada. Assim, há casos de portadores de TEA leve que têm uma vida com pouco prejuízo, principalmente naqueles com diagnóstico e tratamento precoce”, conta Adilson Fortes. (L.A.)

Crédito: Reprodução

Equipe multidisciplinar garante melhor qualidade de vida

A psicóloga clínica Denisdéia Sotero afirma que o número de casos de autistas cresceu muito com o passar dos últimos anos. “Infelizmente, grande parte dos casos é identificada de forma tardia. Falamos muito em diagnóstico precoce, ainda na primeira infância, mas muitos pais relutam em enfrentar essa condição ‘de frente’. Eles precisam lembrar que o tratamento logo no período inicial da vida é de suma importância”, frisa.

A psicóloga afirma que o melhor tratamento é o multidisciplinar. “A criança precisa ter a sua disposição toda estrutura, o que inclui materiais especiais e profissionais de diversas áreas. Entra o médico, psicólogo, neurologista, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, psicopedagogo. E a família tem um papel importantíssimo na educação do autista. Ela deve cooperar e estar envolvida diretamente no processo, participando ativamente das ações da escola. Incluir mesmo! Não pode tirar das atividades, tem que fazer junto. Não pode ter isso de inclusão só no papel”, recomenda a psicóloga.

Os pais devem estar atentos para o comportamento dos filhos. “São pequenas coisas, como não manter o contato visual durante a amamentação. Não responder pelo nome é outra coisa. Por isso, também é importante checar como está a audição da criança, por exemplo, para anular outras hipóteses”, recomenda Denisdéia Sotero.

Os principal sintoma que pode servir de alerta é a dificuldade de sustentar contato visual enquanto é alimentado. “A mãe deve observar isso, além da ausência de resposta ao ser chamado pelo nome. Para isso é necessário saber como está a audição da criança”, finaliza a psicóloga. (L.A.)

Curiosidade: autistas famosos

Muitas pessoas famosas foram e são autistas. A exemplo do grande cientista Albert Einstein ou mesmo de Bill Gates, um dos maiores nomes da informática. Ou Daryl Hannah, consagrada atriz de cinema que foi diagnosticada aos três anos e sempre foi sucesso nas telonas.

Albert Einstein

O ícone do pop art e idealizador da lendária banda de rock The Velvet Underground, nada mais nada menos que Andy Warhol, também era autista. Na moda, o sucesso fica por conta de Heather Kuzmich, com sua produção que já vestiu inúmeras personalidades.

Bill Gates também tem Síndrome de Asperger Crédito: Chesnot_Gettty Images

Teresina recebe Seminário sobre autismo

Acontece, durante os dias 20 e 22 de setembro, o Seminário Teresina TEAMA - Autismo tem tratamento. O evento tem como objetivo reunir profissionais da área para discutir o TEA e suas reverberações na sociedade. Com a presença de renomados palestrantes, o espaço promete trazer uma atualização sobre o que há de mais moderno no tratamento do autismo.

Nomes como Paulo Liberalesso, Dayse Serra, Tatiana Takeda, Lucelmo Lacerda e outros estarão na programação, que inclui palestras e roda de conversa. As inscrições estão disponíveis on-line através da plataforma Sympla. 



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