Por: Álvaro Fernando Mota, Advogado
Quando o corpo de Dona Aline Couto desceu à sua última morada, ela estava vestida de modo simples e elegante. Não parecia estar morta, mas simplesmente dormindo como quem toma um trem com boa poltrona e inicia uma viagem para um lugar distante. Estava em sua habitual elegância – tanto pelo modo de vestir-se quanto pelo de portar-se.
Dona Aline faleceu na semana passada, após quase 96 anos, iniciada em Pernambuco. A jornada da vida a trouxe até Teresina, nos anos 1960, quando para cá veio acompanhando o marido, o Major Amaro, homem bom e doce, que serviu ao Exército e ao país, legando ainda uma família que hoje compõe bem a nossa cidade.
A esposa de um oficial do Exército poderia ser somente uma dona de casa, o que não lhe tiraria qualidades. Mas Dona Aline quis acrescentar virtudes e valores a sua pessoa e assim o fez, criando em Teresina uma das primeiras, se não a primeira, loja de móveis e decoração de alto padrão e muito bom gosto. O nome dela estava na fachada: Aline Móveis e Decoração.
Por longo tempo sua alma empreendedora esteve à frente de um negócio pioneiro que certamente fez grande diferença no ambiente das casas nos anos 1960 e 1970 – algo que algum dia quem sabe um pesquisador de história possa mostrar-nos mais detalhadamente. De minha parte, posso falar mais da pessoa humana – e que pessoa! – foi Dona Aline Couto.
Acredito que tenha feito um casamento longo e feliz. O marido, Major Amaro, um homem raro, foi-se antes dela. Os que a conhecem proximamente sabem o quanto a perda lhe causou dor. mas, resiliente, seguiu pela vida, sempre mantendo uma rotina de trabalho, ainda que aposentada, porque também se moveu pela benemerência, fazendo parte de clubes de serviços que atendiam às pessoas menos afortunadas.
O traço de servir às pessoas, de atuar no voluntariado, é algo que se pode e se deve destacar de Dona Aline Couto, porque doar-se ao próximo é verdadeiramente ser alguém superior, é fazer-se cristã na mais pura acepção do termo. Só os que amam ao próximo como a sim mesmos, conforme disse Cristo, encontraram o caminho, a verdade e a vida.
Dona Aline se inclui entre essas pessoas que muito certo perceberam que ajudar o próximo é um dever de todos nós. Por diversas vezes eu a vi entusiasmada, já com mais de 80 anos, tal qual uma adolescente fosse, com ações sociais nas quais se envolvia, o que parecia lhe dar forças para além do que se espera de um corpo fragilizado pela idade. Porém, se o corpo biologicamente envelhece, a alma se mantém jovem, se alimentada pela vontade de servir às pessoas, de amá-las e de compartilhar com elas a alegria da vida.
Viver com alegria, então, foi uma permanente marca desta mulher, mãe da Aline Maria, da Carmen, do Beto, avó e bisavó, que sempre arranjava tempo para cuidar de suas plantas e até mesmo para doar mudinhas, inclusive de pimenta, para amigos a quem apreciava. Dar plantas é um gesto de amor à pessoa e à natureza e nisso, Dona Aline também pode ser lembrada, pois desde sempre se prestou a compartilhar a natureza em forma de plantas.
Sua partida sem dúvida abre no coração de quem a conheceu aquele vazio que não se preenche, posto que não pode nem precisa ser preenchido. Porém, se esvazia o coração da presença física, a partida de Dona Aline nos deixa a certeza de que vale a pena ter vivido num tempo e no espaço em que viveu alguém tão especial quanto ela.
Álvaro Fernando da Rocha Mota é advogado. Procurador do Estado. Ex-Presidente da OAB-PI. Mestre em Direito pela UFPE. Doutorando em Direito pela PUC-SP. Ex-Presidente do CESA-PI e atual Presidente do Instituto dos Advogados Piauienses – IAP.