Covid-19: “Ignoraram todos os sinais de alerta”, diz médica de NY

Dara Kass é médica, ativista política e mãe de três filhos

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Dara Kass é médica, ativista política e mãe de três filhos. Ao longo das últimas semanas, no entanto, ela reorientou toda a sua vida para poder colocar a saúde dos cidadãos de Nova York em primeiro lugar na sua lista de prioridades. Seus filhos foram enviados para morar com seus pais durante esse período de quarentena; e ela dividiu sua casa onde vive, no bairro de Park Slope, para minimizar o contato com o marido, e assim evitar os riscos de contágio. Aqui, ela conta os detalhes dessa batalha contra o coronavírus na cidade com o maior registro de casos do mundo atualmente: 

Como é um dia normal de trabalho?

Eu trabalho no hospital da Universidade de Columbia, que faz parte do New-York Presbyterian. Normalmente, faço meio período atendendo no pronto-socorro, alguns turnos e muita telemedicina – isso significa estar ao celular com os pacientes o tempo todo. Temos um ótimo programa de atendimento urgente e virtual. No minuto em que esse surto começou, todas as clínicas de telemedicina da cidade viram o número de pacientes explodir. Eu tenho trabalhado todos os dias, sem parar, nas últimas semanas, seja por telemedicina ou fisicamente no hospital.

O que você está vendo, na prática, acontecer no pronto-socorro neste momento?

Ele muda a cada dia. Um ponto que quero enfatizar, porém, é que o governo federal nos preparou para o fracasso. Eles deveriam ter prestado atenção ao que os outros estavam prevendo meses atrás, mas ignoraram os sinais de alerta e fingiram que a situação não existia. A subnotificação e sub teste nos fez fundamentalmente incapazes de combater isso de forma eficaz. O governo [do estado] de Nova York tem sido notável. O governador Andrew Cuomo tem feito um ótimo trabalho. Mas a falta de supervisão federal significa que haverá taxas de sucesso e de fracasso. Isso torna muito difícil nossa luta contra isso a nível global. Na prática, vejo profissionais de saúde fazendo o possível para se superarem. Nova York tem o maior número de infecções de todos os estados da América e veremos esse número aumentar exponencialmente.

Os critérios de teste estão mudando dia a dia, mas não podemos testar um número de pessoas – apenas uma fração dos pacientes que vemos estão sendo testados. As pessoas que vivem com a avó de 85 anos e apresentam sintomas não estão sendo testadas. As pessoas que apresentam sintomas e precisam de um teste positivo para continuar recebendo salário dos empregadores, enquanto estão de quarentena, não são testadas. No momento, estamos poupando os testes para pessoas que estejam em estado crítico.

Todos nós estamos usando o máximo possível de EPI [equipamento de proteção individual], incluindo óculos que nos foram dados pelo hospital. Porém, não sabemos quanto tempo os suprimentos irão durar.

Você tuitou sobre as extensas diretrizes que o fundador do Alibaba, Jack Ma, lançou para ajudar a combater a propagação do COVID-19. O que você aprendeu ao ler essas diretrizes?

Não temos capacidade para fazer uma fração do que estão nos sugerindo. Por todo o país, não estamos fazendo o teste com profissionais de saúde regularmente e não os "dividimos em grupos", como fizeram na China. O relatório recomenda manter os profissionais de saúde afastados de suas famílias – a transmissão intrafamiliar é de 80%. Quando você mora na mesma casa que um profissional de saúde, poderá ser considerado exposto. Fiz a mudança com os meus filhos para fora da cidade antes de ver um único paciente, porque meu filho fez um transplante de fígado. Eles estão morando com meus pais. Na China, eles ainda tinham programas em casas de “reabilitação” para reintegrar os profissionais de saúde de volta às suas famílias. Eles se mudavam para essas instalações por 14 dias para garantir que não estivessem em risco de contágio. Eles os testaram várias vezes.

Como você e seus amigos, que são médicos, lidam com a exposição entre os seus familiares? 

A maioria dos meus amigos que moram com suas famílias tem um protocolo de descontaminação – um conjunto de regras para entrar em casa: você tira a roupa à sua porta, toma um banho. Eu tomei banho em todos os fins de semana. Meu marido e eu dividimos a casa em "cômodos para mim" e "cômodos para ele". Há uma cadeira no meu quarto em que permito que ele se sente enquanto estou na cama, porque ela fica a um metro e meio dela. Ele está tão solitário! Está em estado de choque; os nossos filhos se foram, mas ele não pôde vê-los.

Você me disse que acabou de ter um resultado positivo. Como você está se sentindo?

Na segunda-feira, tentei gravar um exercício de alongamento muito tranquilo e mal consegui, porque doeu muito. A tosse piorou progressivamente. Ela te pega quando você fala por muito tempo. É difícil respirar profundamente, fico sem fôlego dois minutos depois de subir uma escada. Mas me sinto bem o suficiente para trabalhar na telemedicina. Pelo menos estou sendo útil.

O que lhe dá esperança ou conforto no momento?

Ainda não há conforto. A esperança vem do fato de que todos estão ouvindo agora. As pessoas estão assustadas, mas querem saber o que é certo fazer, e querem fazê-lo. A CNN e o MSNBC estão colocando médicos e cientistas nos seus programas e deixando-os falar.

E toda a força de trabalho da assistência médica é inspiradora. Quando os médicos italianos, que estavam nos hospitais, voltaram-se às mídias sociais, nós os ouvimos e começamos a nos mobilizar, mesmo quando o governo não estava fazendo isso. Sabemos muito bem que não conseguiremos impedir essa tempestade, mas nem por um segundo imaginamos que seria o lugar certo para se estar. Mudamos nossas famílias de local; mudamos nossas agendas para estarmos disponíveis. Seja isso uma provação de duas semanas ou de dois meses ou de seis meses, mudamos nossas vidas para nos focarmos nisso. Estudantes de medicina andam compartilhando arquivos no Google Docs a fim de montarem um cronograma dos serviços de cuidado infantil para os médicos. Médicos estão tentando obter o EPI de todas as partes do mundo. Estamos nos esforçando muito para cuidar de todos da melhor maneira possível, com os recursos disponíveis. Pode não ser o suficiente, mas estamos tentando.



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