Apesar da concorrência, tijolos cerâmicos ainda são preferência na construção civil

Mesmo disputando espaço no mercado com blocos de concreto, a resistência e o preço das peças cerâmicas são mais atrativas para a construção no Piauí

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Por Juarez Oliveira e Sávia Barreto

No Piauí, a produção de tijolos das mais de 80 indústrias locais fica entre 25 milhões de peças de tijolos e 20 milhões de telhas, por mês. A tradição ceramista do Estado compete agora com a tecnologia do concreto. Imagine estar em uma cidade com clima naturalmente quente, como Teresina, e precisar morar em uma residência onde o material de que são feitas as paredes intensifica a temperatura. Pois essa é a situação de milhares de moradias que estão sendo construídas no Piauí com paredes de concretos através de programas sociais como o Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal.

Se por um lado a rapidez maior para terminar a construção e uma necessidade menor de mão-de-obra são incentivos para as construtoras usarem blocos de concreto, por outro lado o desconforto térmico e a redução de empregos no setor da construção civil são aspectos negativos tanto para os moradores como para os trabalhadores.

Uma concorrência desleal. É assim que Valdir Júnior, proprietário da Cerâmica Santana, localizada na Santa Maria da Codipi, classifica a disputa entre ceramistas do Piauí e de outros estados. ?O empresariado piauiense tem a carga tributária muito maior que o pessoal que produz fora do estado como Maranhão, Ceará e Pernambuco. Hoje no setor cerâmico do Piauí, se você fizer uma avaliação, está bastante estocado, numa época em que não era para estar?, explica.

Enquanto passa pelos corredores da cerâmica checando a produção, Valdir Júnior aponta para tijolos que esperam venda. ?Não era para a gente ter nem um tijolo em estoque porque o mercado está, de certa forma, aquecido?, relata o empresário, cuja experiência no setor foi herdada de família, já que os pais também trabalhavam no segmento ceramista. ?Além disso, a gente está sofrendo a concorrência de novas tecnologias, que são as paredes de concreto que levam revestimento cerâmico. Isso fez com que diminuísse bastante a quantidade de tijolos nas obras?, pontuou.

Para reverter o quadro, ele acredita que é preciso reivindicar do Estado uma mudança na carga tributária das indústrias do setor. ?Teríamos que nos igualar com as empresas dos estados vizinhos e isso já foi reivindicado?, frisa. Enquanto as mudanças governamentais não vêm, o próprio empresário piauiense de cerâmica, no entanto, não fica parado. Segundo Valdir Júnior, o empresariado tenta desenvolver novos produtos, novas técnicas e baixar custos. ?O empresário do Piauí deve buscar soluções dentro da empresa dele para baixar principalmente os custos e poder concorrer com essas novas tecnologias que vão chegar e estão chegando, se espalhando pelo Brasil todo?, aconselha.

A maior parte dos tijolos produzidos no Piauí, no entanto, não saem da fronteira do Estado. ?O tijolo é um produto que o frete inviabiliza você andar muito. É um produto que tem um valor agregado baixo e o frete pesa em cima dele. Com isso o tijolo atinge um raio de pelo menos 200 km, no máximo. Já a telha nós conseguimos andar bem mais, alcançando todo o Nordeste e chegando até Tocantins?, compara José Joaquim.

A maioria das casas construídas passam, ao longo dos anos, por processos de reforma e expansão, que são dificultados com os blocos de concreto. ?Numa casa de concreto, não que você não possa fazer a expansão da casa, mas você tem certa dificuldade na parte operacional porque tem que ligar o tijolo com o concreto, então já fica mais difícil. E principalmente o conforto térmico, porque em um estado como o nosso, que tem uma temperatura média durante o ano de 35, 36 graus Cº, é como você estar em um forno?, argumenta Valdir.

TIJOLO CERÂMICO LEVA ATÉ SETE DIAS PARA FICAR PRONTO

A produção de telhas e blocos cerâmicos, popularmente chamados de tijolos, passam por uma série de etapas, desde a identificação da mina de argila até chegar às mãos do consumidor final. José Joaquim informa que há dois tipos de argila: a que é retirada em locais mais baixos ou bases, e a retirada de áreas mais altas ou morros. Ele conta que nas áreas baixas, após a extração da argila, podem ser realizados projetos de criação de peixes para o repovoamento dos rios ou para a venda. Já nas áreas de morros, após a retirada da argila, o terreno é regularizado e a floresta que havia antes, é replantada no lugar.

Sobre a produção de telhas e tijolos, José Joaquim conta que o processo mais demorado é o sazonamento, ou maturação da argila. ?Se você for calcular desde quando a mina é detectada, mensurada, o projeto de extração é elaborado e depois é iniciada a extração em si, normalmente se passa em torno de um ano. O sazonamento é o período em que a chuva vai tirar as impurezas, deixando a argila melhor?, explica.

Mas ele relata que nem todas as indústrias de cerâmica realizam o sazonamento. Em média as cerâmicas do Piauí levam sete dias para a produção de uma peça, contando desde a hora em que apanham o material no sazonamento, até o momento em que a peça chega ao local da expedição. Nas indústrias mais modernas, onde os processos de secagem e queima são mais rápidos, as peças são produzidas em até dois dias.

Para a produção da peça cerâmica, a argila deve ser analisada e de acordo com o tipo obtido é que se planeja que peça será produzida. ?Primeiro fazemos todo o levantamento para identificar o tipo de argila que temos e com isso planejar como fazer a composição. Se eu for trabalhar telha ou tijolo, terei que usar tipos diferentes de argila?, ressalta José Joaquim. O primeiro passo da etapa de produção é a preparação da argila, que é levada para a moagem, onde será adicionada água e posteriormente segue para a etapa de conformação. Nesse momento é que a argila vai ganhar a sua forma definitiva, de telha ou tijolo.

?Após a argila passar pelo processo de moagem e descansar, ela retorna ao processo e vai para a conformação, onde a gente vai conformar o que a gente quer. Nós queremos tijolo, queremos telha? Então é nessa etapa que vamos conformar o que nos estamos pretendendo?, acrescenta José Joaquim. Quando a peça sai da conformação ela ainda está muito úmida e a etapa seguinte é justamente a secagem, que dura em média 24 horas, dependendo do clima.

Para o empresário ceramista Valdir Júnior um dos maiores inimigos da indústria cerâmica é a chuva, que pode atrasar a etapa da secagem e aumentar as ocorrências de queda no fornecimento de energia elétrica, interrompendo assim o processo de produção em muitas indústrias. ?A secagem é feita ao ar livre e por isso quanto mais sol melhor. Quando chove essa etapa demora mais, o que acaba atrasando todo o processo?, explica Valdir Júnior. ?Essa semana nós perdemos um dia da produção por conta da falta energia. Sem energia o processo para, nós passamos o dia sem produzir?, acrescenta José Joaquim.

A última etapa da produção de uma peça cerâmica é a queima. Após a peça passar pela secagem ela é encaminhada para os fornos, que são alimentados à lenha e que vão deixar as peças prontas para o consumidor final. No processo de queima, as peças ficam expostas por até dois dias a uma temperatura de cerca de 900°C, até ficarem prontas para a venda. Os ceramistas Valdir Júnior e José Joaquim destacam a preocupação do setor cerâmico do Piauí com essa etapa em especial.

TIJOLOS CERÂMICOS CONTINUAM COMO PREFERÊNCIA DOS ARQUITETOS E ENGENHEIROS

Os tijolos cerâmicos estão presentes na grande maioria das edificações erguidas pela construção civil no Piauí. Nas pequenas edificações ele assume a função estrutural enquanto nas maiores o papel assumido é de vedação. Para o arquiteto e urbanista Humberto Gonzaga, este material é o mais indicado pelos próprios arquitetos e construtores devido as suas características básicas, como resistência a esforços de compreensão estrutural para edificações de pequeno porte, além da facilidade no manuseio, baixa porosidade e homogeneidade.

Devido a sua resistência à compreensão em obras de pequeno porte, os tijolos cerâmicos assumem tranquilamente a função estrutural. Já nas edificações de maior envergadura eles têm a função predominantemente de vedação devido à sua boa condição de isolante térmico e acústico. O arquiteto ressalta que outra alternativa para o uso do tijolo cerâmico é a decorativa, uma vez que ele possibilita o seu uso de forma aparente, valorizando o ambiente e dando um tom rústico porém contemporâneo. ?Nos projetos realizados por mim a opção por este material é uma consequência natural, sobretudo pela sua boa isolação térmica e acústica, além de ser fácil de trabalhar e ter boa homogeneidade?.

Apesar de existirem no mercado outros produtos para a parte estrutural de uma obra, como os blocos estruturais, os painéis de gesso acartonado para vedação interna, dentre outros, o arquiteto garante que a grande preferencia ainda é pelo uso do tijolo cerâmico na maioria das obras da construção civil no Piauí.

O engenheiro civil Wagner Mendes afirma que, para a região Nordeste, o uso do tijolo cerâmico se justifica pela considerável disponibilidade, tanto da própria cerâmica, como de mão-de-obra. ?O tijolo cerâmico possui boa resistência aos esforços em que é solicitado, nos casos em que é empregado como parede de vedação. Possui bom isolamento térmico e acústico, além de uma boa estanqueidade (resistência de penetração de água) e facilidade de corte para embutimento das instalações?, explicou.

Além de possuir um conforto térmico e acústico superior às obras que empregam outros materiais, como blocos de concreto, na maioria das vezes o tijolo cerâmico é a opção mais barata. ?Em termos de custos as obras que utilizam os tijolos cerâmicos quase sempre são mais baratas, visto que as obras feitas com concreto pré-moldado só passam a ser de custo competitivo quando empregados em alta escala, caso de projetos padrões como os de unidades habitacionais?, pontua Mendes.

Geralmente nas obras em que o concreto é empregado para a construção das paredes, são utilizadas formas para moldar essas estruturas. Com isso, quanto mais unidades forem feitas, mais barato será o preço final da unidade. ?E como as peças são inteiras, fica difícil para se fazer qualquer intervenção, até colocar um ar-condicionado é complicado?, ressalta o engenheiro. Outra vantagem dos tijolos cerâmicos é a mão-de-obra mais disponível no mercado e o fato do conhecimento ser passado sem grandes necessidades de qualificação. ?Diferente das paredes de projetos com concreto pré-moldado, em que se exigem um nível de qualificação um tanto maior da mão-de-obra e um controle tecnológico constante na obra?, acrescenta Mendes.

Para a execução de alvenarias cerâmicas, as ferramentas são simples, já as pré-moldadas exigem equipamentos de maior porte, visto o maior esforço para locomoção das peças, que são maiores e bem mais pesadas. ?Com a utilização de materiais cerâmicos existe maior possibilidade de modificação de projeto e mudança nas instalações, como a abertura de portas, janelas ou a instalação de ar-condicionado?.

O engenheiro conta que existem tijolos com ou sem função estrutural, ou seja, usados apenas para vedação de alvenaria, e existem tijolos estruturais, que são aqueles auto-portantes, que dispensam uso total ou parcial de vigas e pilares, pois estes já suportam o peso da estrutura. ?Na nossa região, poucas são as obras feitas com tijolos estruturais. Os tijolos mais comuns encontrados são os tijolos furados de seis ou oito furos e os tijolos maciços, sendo estes mais baratos, porém, com um consumo por m² maior que os de tijolo furado?, ponderou Wagner Mendes.

Ele ressalta que a indústria da construção civil está superaquecida em todo o Nordeste. ?Esse é um dos setores da economia que mais cresce atualmente. Em Teresina é difícil você andar pela rua e não ver uma obra de construção em andamento, seja comercial ou residencial, pública ou privada?.

O presidente do Sindicer-PI relata que nos últimos dois anos, com o impulso de programas governamentais na área da habitação e a retomada da construção civil no setor privado, houve uma demanda muito grande pelos produtos cerâmicos, que chegaram até a faltar. ?Chegamos a ter dificuldade de atender à demanda. Já no ano de 2011 o Governo Federal elaborou novas normas para o Programa Minha Casa, Minha Vida, que praticamente ficou paralisado. Foi um ano que sobrou material dentro das cerâmicas, só no final de 2011 retomaram o Programa. Em 2012, esperamos que haja uma retomada e que a crise internacional não venha atrapalhar nossas vidas no Brasil, havendo um equilíbrio nessa demanda da produção?, conclui José Joaquim.

Fotos: Juarez Oliveira

Edição: Sávia Barreto



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