As apostas esportivas e jogos online no Brasil registraram um faturamento de R$ 17,4 bilhões no primeiro semestre de 2023, conforme dados da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda. Este é o primeiro levantamento oficial sobre o mercado regulado, que conta com 17,7 milhões de apostadores no país, sendo a maioria homens (71,1%) e cerca de 50% na faixa etária de até 30 anos.
O secretário Regis Dudena destacou que a média de gasto por apostador ativo é de aproximadamente R$ 983 por semestre, o que equivale a cerca de R$ 164 por mês. Ele ressaltou que o crescimento descontrolado do setor entre 2019 e 2022 gerou preocupações sociais e que a regulação atual visa restaurar o controle do Estado sobre o mercado. "Nos cabe agora limpar a casa. A gente precisa resolver essa bagunça", afirmou Dudena.
Regulação e Controle
Com a nova regulação, o governo brasileiro agora monitora as atividades das casas de apostas, recebendo relatórios diários sobre depósitos, apostas e prêmios pagos. O secretário explicou que a diferença entre o que é apostado e os prêmios pagos resulta em um Gross Gaming Revenue (GGR) de R$ 2,9 bilhões por mês. Ele alertou que a maioria dos apostadores tende a perder dinheiro, com uma taxa de retorno de 90% a 93%.
Dudena também abordou a questão dos viciados em jogos, informando que o Ministério da Saúde já iniciou a formação de centros de atendimento para lidar com problemas relacionados ao vício. Além disso, o governo está desenvolvendo ferramentas para impedir que beneficiários de programas sociais, como o Bolsa Família, depositem em casas de apostas.
Desafios e Medidas
A regulação também busca identificar e combater as apostas ilegais, que são responsáveis por muitos problemas sociais. O governo realiza varreduras na internet para derrubar sites não autorizados e proíbe instituições financeiras de processar transações relacionadas a essas plataformas. Dudena enfatizou que a responsabilidade pelo jogo responsável deve recair principalmente sobre as casas de apostas, que devem oferecer ferramentas para autoexclusão e monitoramento dos apostadores.
O cenário atual do mercado de apostas no Brasil reflete um esforço do governo para equilibrar a atividade econômica com a proteção dos cidadãos, especialmente os mais vulneráveis. A regulação é vista como um passo essencial para mitigar os riscos associados ao vício em jogos e garantir um ambiente mais seguro para os apostadores.
A secretaria levantou números que dão conta do tamanho do mercado de apostas no Brasil. O que esses números mostram?
Uma das grandes mensagens deste momento é que o Estado brasileiro tomou o controle de volta desse setor. Hoje, nós sabemos exatamente quantos apostadores brasileiros apostam nessas empresas autorizadas pelo governo federal. Nós estamos falando de 17 milhões de pessoas.
Hoje nós sabemos qual que é o famoso GGR [Gross Gaming Revenue], que é a diferença entre o que é apostado e os prêmios pagos, ou seja, qual é o resultado bruto daquilo que fica com as casas de apostas. E nós estamos falando num valor semestral de R$ 17 bilhões, uma média de R$ 2,9 bilhões por mês.
O apostador entra, faz um depósito e, a partir desse depósito, ele aposta. A média de retorno, ou daquilo que você ganha quando aposta, é em torno de 90% a 93%. Você perde a diferença disso [7%]. O que a população tem que entender quando se engaja em uma atividade de aposta? Você vai perder o dinheiro. A tendência é que você perca o dinheiro.
Confira a entrevista completa:
No ano passado, ao dizer que brasileiros gastavam cerca de R$ 20 bilhões por mês em casas de apostas. Esse valor é diferente do levantado pela Fazenda. O que explica essa diferença?
A principal explicação é a diferença entre depósito, saque e efetivo gasto. O próprio estudo [do Banco Central] tem uma nota de rodapé que fala em 15% de retenção. Ele deixa claro que esses R$ 20 bilhões que ele está observando não são R$ 20 bilhões de gastos. Existe uma diferença entre o fluxo financeiro de entrada e saída do mesmo dinheiro do apostador que colocou aqueles R$ 100 e um relatório do Banco Central mobilizou o Congresso e o governo ficou fazendo apostas, ganhando e perdendo, e o dinheiro efetivo que saiu do bolso dele.
É a primeira vez, então, que os dados estão sendo expostos.
A gente recebe diariamente reportes de todas as casas de apostas, em que se fala quem são os apostadores, quanto eles depositaram, quanto apostaram, quanto ganharam. Isso gera uma quantidade bastante expressiva de dados. Hoje, as apostas no Brasil têm duas modalidades. Uma modalidade de aposta esportiva, que é aquela em eventos esportivos de natureza real, e as apostas em jogos online que têm um gerador randômico de números, letras e cores que faz com que o apostador aposte nesses jogos.
Que certeza vocês têm de que o valor informado pelas casas de apostas é aquele que foi mesmo movimentado?
Temos diversos controles. É óbvio que a gente vai poder sempre incrementar esses controles. Em um primeiro momento, são reportes que eles fazem, só que a gente monitora a atividade dessas casas de aposta. Aquilo que elas dizem que ganham, aquilo que elas recolhem [de tributos] e eventualmente a gente dialoga também com a Receita na parte tributária.
Já houve alguma sanção nesse sentido nos primeiros meses de operação?
Nós tivemos algumas sanções pontuais, principalmente em relação à oferta de apostas que não eram devidas. Elas ainda não foram divulgadas porque elas estão em período de recurso, então a gente tem que esperar os recursos administrativos chegarem ao seu final, mas todas as punições, todas as penalidades aplicadas serão divulgadas.
O que os números da Fazenda dizem sobre o perfil dos apostadores?
Cerca de 71% dos apostadores no Brasil hoje são declarados homens, o restante se declaram mulheres. Cerca de metade dos apostadores estão na faixa etária até 30 anos. Mas o que importa é a gente ter capacidade de chegar nesses dados, sobretudo pensando em política pública. Esses dados regulatórios também vão servir para alimentar o Sistema Único de Saúde para que o sistema consiga se preparar para essa recepção [de apostadores que desenvolverem problemas de saúde em função do vício no jogo].
Na média, cada pessoa gasta R$ 1.000 por semestre. Isso está dentro das expectativas?
A média não é preocupante. Se a gente pensar aí esses R$ 980 [semestrais], se não me engano dá R$ 160 mais ou menos por mês, como média. Isso não é preocupante CEO da Embraer diz ser contra retaliar EUA e defende concessões dos dois lados
No segundo semestre, a gente vai manter esse olhar nos grandes números, mas vai se voltar mais para o CPF, para entender esses apostadores e para ser capaz não só de olhar os apostadores que já descolaram daquilo que poderiam fazer [em termos de renda], e aí voltar para a casa de apostas, fazê-la se responsabilizar por isso, mas, sobretudo, observar tendências, para conseguir agir e exigir que as casas de aposta ajam antes de os problemas acontecerem.
O sr. falou em responsabilização das casas de aposta. De que medidas estamos falando?
A expressão "jogo responsável" é uma expressão que, às vezes, é mal interpretada. É como se a responsabilidade fosse meramente do apostador. Mas a nossa compreensão como regulador é que a responsabilidade no jogo responsável é da casa de aposta, primariamente.
Quando o apostador entra na casa de aposta, ela [casa de aposta] tem que disponibilizar a possibilidade de ele se autolimitar em tempo e em valor que ele está disposto a gastar. Ela tem que disponibilizar um botão de autoexclusão, que é uma possibilidade de o apostador entrar e falar "não quero mais apostar por um mês, por seis meses, por um ano".
Quando ela perfila e reconhece a diferença entre o jovem de baixa renda ou o milionário aposentado, ela tem que monitorá-lo. Se ele descola do perfil projetado para ele, ela [casa de aposta] tem que gerar alertas, depois sugerir pausas, impor pausas e, no limite, pode até excluir esse apostador se ele descolar.
Aquele mesmo relatório do Banco Central falava que beneficiários de Bolsa Família movimentaram R$ 3 bilhões.
A regulamentação, estou convencido de que seria suficiente para dar conta dessa temática. Para esse valor do Banco Central também valem aqueles 15%, então de R$ 3 bilhões eles caem para R$ 450 milhões. Parece legítimo o entendimento de que o Bolsa Família daria possibilidade de inclusão financeira para possibilitar ao cidadão o exercício pleno da sua cidadania, para ele poder escolher aquilo que ele quer fazer com esse recurso.
No tema regulatório, nós temos hoje uma decisão do Supremo determinando o que fazer. Estamos desenvolvendo uma ferramenta para que os apostadores que são beneficiários do Bolsa Família e do BPC [Benefício de Prestação Continuada] não possam depositar recursos em casas de aposta.
Como o Ministério da Fazenda consegue identificar as bets ilegais e que sanções são aplicadas a essas empresas?
A maior parte dos problemas sociais, de saúde mental, de saúde financeira, é relacionada com a oferta ilegal de apostas. Desde o ano passado, quando a gente percebeu que havia uma intensificação da atividade de [bets] ilegais, nós começamos um primeiro processo que é identificar esses sites por meio de varreduras na internet e derrubar.
A instituição financeira, de pagamento, e a instituição de arranjo de pagamento são proibidos de dar curso a apostas para sites ilegais. Nós temos reportado à Polícia Federal e ao Banco Central.
Na publicidade, quando se faz a crítica, muitas vezes se olha para ativação em estádio, para camiseta de clube de futebol, para propaganda na televisão. Obviamente isso talvez em algum momento precise ser controlado um pouco mais, com algumas restrições, mas num primeiro momento de abertura do mercado faz sentido essa exposição, justamente para que o apostador saiba diferenciar as casas de apostas legais das ilegais.
O sr. disse que talvez sejam necessárias restrições à publicidade. Temos visto apresentadores de TV, influenciadores, programas de esporte quefalam "faça o jogo responsável". Não é pouco? A responsabilidade não deve recair também sobre quem está ganhando dinheiro para fazer publicidade?
A publicidade é muito relevante para a distinção de casas de apostas autorizadas e não autorizadas. Uma restrição absoluta de publicidade, eu não veria com bons olhos nesse momento. O que nós temos? Restrições de mensagem. Não se pode falar que você vai ficar rico, vai ser mais bonito, vai ter sucesso social. Que você vai ter complementação de renda. Isso é proibido. A exposição de atletas, por exemplo, no ambiente, se for algo que a gente reconheça como não desejável, eventualmente a gente vai restringir. Se a atuação de pessoas públicas tenha que ser restringida, eventualmente vai restringir. O que a gente não pode? Querer fazer tudo de uma vez ao mesmo tempo.
O governo consegue identificar os casos de ludopatia? Existem políticas públicas pensadas nesse sentido?
Parece que esse problema é muito decorrente dos anos em que nós ficamos sem regulação e sem controle dessa atividade. O descontrole que houve de 2019 a 2022 é muito responsável por problemas que vivenciamos hoje. Nos cabe agora limpar a casa. A gente precisa resolver essa bagunça.
O Ministério da Saúde já iniciou uma formação dos centros de atendimento da população para preparar o pessoal da saúde para receber essas pessoas.
O presidente da Febraban, Isaac Sidney, previu uma catástrofe com as apostas, principalmente a formação de uma bolha de inadimplência. De que forma o Ministério da Fazenda está acompanhando o impacto das apostas na economia brasileira?
Eu vi algumas declarações, tanto do sistema financeiro, de varejistas, mas eu tenho um pouco de dificuldade de ter tanta clareza que há essa relação direta. Eu entendo a preocupação, acho uma preocupação legítima, e a gente tem endereçado a preocupação por meio das nossas portarias de acompanhamento do setor. Isso para mim está muito claro, que o Estado precisa estar atento e precisa observar. Nós estamos fazendo de tudo para que não haja qualquer espécie de catástrofe.
Você não está minimizando o problema?
Eu não estou minimizando, eu estou enfrentando o problema. Eu estou enfrentando o problema impondo restrições. O que a gente viu de 2018 até 2022 foi que não se cuidou, ninguém fez nada para cuidar desse tema. O que nós estamos fazendo é cuidar, regular e controlar quem entrou.