O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) vai iniciar uma pesquisa piloto para avaliar os impactos do abate de búfalos asiáticos que vivem de forma descontrolada em áreas protegidas do oeste de Rondônia. A ação prevê o abate de cerca de 500 animais, o equivalente a 10% de um rebanho estimado em mais de 5 mil búfalos, e tem como objetivo subsidiar um plano de controle e erradicação da espécie invasora na região amazônica.
Espécie invasora na Amazônia
Os búfalos são nativos da Ásia e foram introduzidos em Rondônia em 1953, como parte de um projeto estadual voltado à produção de carne e leite. Com o fracasso da iniciativa, os animais foram abandonados e passaram a se reproduzir livremente, sem predadores naturais, dentro de unidades de conservação. Atualmente, eles ocupam áreas da Reserva Biológica (Rebio) Guaporé, da Reserva Extrativista (Resex) Pedras Negras e da Reserva de Fauna (Refau) Pau D’Óleo, em uma região de transição entre a Floresta Amazônica, o Pantanal e o Cerrado.
Segundo o biólogo e analista ambiental do ICMBio, Wilhan Cândido, a presença dos búfalos ameaça espécies nativas e endêmicas. “É um ambiente único, com várias espécies endêmicas [nativas] e a presença do búfalo vai levar à extinção de várias delas. Algumas espécies que a gente só tem registros aqui”, afirmou.
Risco de crescimento populacional
O problema se arrasta há décadas sem uma solução definitiva. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), se nenhuma medida eficaz for adotada, a população de búfalos pode chegar a 50 mil animais nos próximos cinco anos. Para o ICMBio, o abate é, atualmente, a única alternativa viável diante das condições da área, que é remota e de difícil acesso.
“Ou a gente opta pelas nossas espécies nativas ameaçadas de extinção da localidade ou a gente vai ficar com a espécie exótica invasora e só ela”, disse Wilhan. Ele explicou ainda que não há logística para retirada dos animais vivos ou mortos e que a carne não pode ser aproveitada, já que os búfalos se desenvolveram sem controle sanitário.
Como será a pesquisa
A pesquisa envolve três frentes: o ICMBio, responsável pela gestão da área e logística; a Universidade Federal de Rondônia (Unir), que fará análises sanitárias; e uma empresa especializada, que se voluntariou para realizar o abate. “A gente vai abater os animais para saber como a gente chega até eles, qual a nossa capacidade de abate e o que acontece quando a gente deixa essas carcaças lá”, explicou o analista ambiental.
Desde o início de 2025, o ICMBio coleta amostras de água para comparar a qualidade antes e depois do abate. Também serão instaladas câmeras em parte das carcaças para monitorar se a fauna nativa se aproxima do local. “Nós vamos instalar câmeras traps em uma porcentagem das carcaças abatidas e vamos monitorar se a fauna nativa está chegando lá”, detalhou Wilhan. Pesquisadores da Unir vão analisar material biológico de cerca de 15% dos animais abatidos.
Danos ambientais registrados
Sem predadores naturais, os búfalos causam impactos severos na fauna e na flora. Um dos animais mais afetados é o cervo-do-pantanal, considerado vulnerável à extinção. “A gente não tem um único registro de cervo junto com o búfalo. Eles estão empurrando e confinando os cervos em determinados pontos”, relatou Wilhan.
Com quase dois metros de altura e peso superior a meia tonelada, os búfalos pisoteiam a vegetação, compactam o solo e abrem trilhas que funcionam como canais de drenagem, desviando o curso natural da água. Em áreas alagadas, o solo chegou a afundar cerca de um metro, causando a morte de árvores e a formação de extensas áreas degradadas.
Buritizais destruídos e caça ilegal
Durante visitas técnicas, foi identificado um “cemitério” de buritizais, árvores adaptadas a áreas úmidas que perderam a capacidade de reter água devido à compactação do solo e à destruição das mudas. Como consequência desse processo, em 2024 foi registrado, pela primeira vez, um incêndio intenso o suficiente para queimar até o solo. “Se a gente não tirar o principal fator de impacto, que é o búfalo, eu acho que essa área não volta a ser aquele buritizal”, afirmou o analista.
A presença dos búfalos também favorece a caça ilegal. Segundo o ICMBio, caçadores entram na região para abater os animais invasores e acabam caçando espécies nativas. “Em diversas operações de fiscalização, nós pegamos caçadores com uma grande quantidade de búfalo, mas com várias espécies nativas”, relatou Wilhan.
Ação judicial em andamento
A pesquisa ocorre paralelamente a uma Ação Civil Pública movida pelo MPF, que cobra medidas urgentes para o controle do búfalo asiático. Em decisão de 24 de novembro, o juiz Frank Eugênio Zakalhuk reconheceu a gravidade do problema, mas determinou que o ICMBio e o Estado de Rondônia apresentem, em até três meses, um plano de controle e erradicação com base científica.
O plano deverá detalhar metodologia, riscos ambientais, cronograma, custos e destino das carcaças. Segundo o ICMBio, a pesquisa em andamento não interfere na ação judicial e poderá fornecer dados técnicos para embasar a proposta a ser entregue à Justiça. O MPF também pede que o Estado de Rondônia pague uma indenização de R$ 20 milhões por danos morais coletivos, destinada a ações de reflorestamento nas unidades de conservação do estado.