Neste domingo (10/08) a mexicana Karla Estrella completa uma inédita condenação judicial: se desculpar durante 30 dias consecutivos por ter criticado um casal de políticos governistas na rede social X, antigo Twitter. O caso dela remonta às denúncias de jornalistas e veículos de comunicação sobre o aumento das pressões para fiscalizar o poder, ao ponto que a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) alertou sobre “uma preocupante tendência” de novas formas de “censura judicial e legislativa” no México.
Durante o último mês, a arquiteta e dona de casa, de 47 anos publicou a retratação no X. “Peço desculpas (...) pela mensagem que continha violência simbólica, psicológica (...), assim como discriminação, baseada em estereótipos de gênero”, escreveu Estrella. A punição imposta por um tribunal eleitoral deixou um gosto amargo.
Para a Agence France-Presse (AFP), a mulher natural de Hermosillo (Sonora, norte), afirmou que se sente em uma situação de desamparo.
O caso se soma a outro ocorrido em fevereiro de 2024, quando a mulher, muito ativa no X, acusou o deputado Sergio Gutiérrez Luna, atual chefe da Câmara dos Deputados e membro do Morena, partido da presidente de esquerda Claudia Sheinbaum, de nepotismo. A beneficiária do suposto abuso era a esposa de Gutiérrez, Diana Karina Barreras, que na época concorria a uma vaga como deputada, mas não foi mencionada no tuíte.
DECISÃO Irrevogável
Além de Estrella, milhões de mexicanos publicam mensagens sobre o caso nas redes sociais, com posicionamentos contra sua liderança política, geralmente por suspeitas de corrupção. Por azar de Estrella, a deputada Barreras denunciou o caso, que terminou com uma sentença irrevogável: culpada por “violência política” de gênero.
Para o tribunal, a publicação “afetou” o desempenho profissional de Barreras ao colocá-la em posição de “subordinação a uma figura masculina, minimizando suas capacidades e trajetória”. Apesar de Estrella ter se explicado e afirmado que sua mensagem criticava apenas o deputado, os magistrados rejeitaram seus argumentos.
“Sou uma cidadã comum, que usa suas redes para opinar, para se divertir, para se informar. Não tenho poder para mudar a política no México, nem essa era a intenção”, disse Estrella, incrédula diante do uso de recursos públicos para processá-la. Apesar de os denunciantes serem do mesmo partido, a presidente Sheinbaum considerou a sanção um “excesso”, ressaltando que “o poder é humildade, não soberba”.
ENTENDA
Duas leis fundamentaram a penalidade contra Estrella, uma sobre violência política de gênero e outra que regula propaganda eleitoral em meios como rádio e televisão. Mas aplicar a cidadãos comuns normas que foram criadas para “partidos políticos, grandes empresários e meios de comunicação” abre caminho para “graves violações à liberdade de expressão”, comentou a defensora de Estrella, Mariana Calderón.
“Fizeram uma espécie de monstro” ao combinar as duas normas, acrescentou a diretora da ONG Centro Nacional de Litígio Estratégico. Além das desculpas e do pagamento de uma multa, o nome de Estrella ficará exposto publicamente até 2027 como “pessoa sancionada” por violência política de gênero.
Essa sanção, entretanto, teve efeito bumerangue para os deputados, já que opositores e usuários das redes não param de publicar fotos e vídeos que mostram o aparente estilo de vida ostentoso do casal. Estrella, manteve o seu senso de humor intacto. No mês da punição, ela passou de cerca de 7 mil para quase 60 mil seguidores no X e está decidida a levar seu caso a instâncias internacionais.
“Vamos à Corte Interamericana (...) porque foi um excesso o que os magistrados fizeram comigo. Como não há outra instância no México que me proteja (...), a ideia é pedir ajuda a alguém imparcial que possa dar seu veredito”, afirmou.