Promover avaliação de caso a caso e realizar maior diligência nas decisões da Justiça em prol das crianças e adolescentes são objetivos do mutirão de audiências concentradas realizado pela 1ª Vara da Infância e da Juventude de Teresina para reavaliar a situação de cerca de 200 crianças e adolescentes acolhidos nos abrigos da capital.
A juíza Maria Luíza de Moura, titular de Teresina e juíza auxiliar da Coordenadoria Estadual Judiciária da Infância e da Juventude (CEJIJ), aponta que a ação é importante para fazer com que os abrigos cumpram com a lei que estabelece o limite máximo de dois anos com crianças abrigadas.
“Durante o mutirão nós visitamos os abrigos para revisar a situação processual e pessoal de cada criança e adolescente acolhido. Verificamos as condições em que elas estão sendo tratadas, assim como a situação dos seus processos para saber o que avançou ou regrediu em cada caso”, disse.
Ela afirmou também que muitas crianças e adolescentes atendidos se encontram em situação de vulnerabilidade social e de risco, com pais desempregados, sem residência própria, envolvidos com drogas e álcool e que por isso os mutirões contam com uma rede de instituições que buscam encontrar soluções em diferentes áreas para acelerar e humanizar o processo.
“Nós chamamos a responsabilidade para as secretarias de Ação Social do Estado e Município, Secretaria Estadual de Habitação, Saúde, Coordenadoria de Enfrentamento às Drogas e Empreendedorismo, para que possamos formar uma rede e encontrar a melhor solução para cada processo, melhorando a audiência que iria ser realizada apenas no juizado com a mediação de um juiz”, afirmou.
O mutirão cumpre também a sua função social ao dar resolubilidade aos processo de crianças que não estão disponíveis para adoção, mas encontram-se sob a tutela do Estado como medida de proteção prevista no art. 98 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Os mutirões acontecem até o próximo dia 23 de outubro e é essencial determinar a situação de jovens e crianças alojadas em abrigos que devem seguir, seja para família de origem (biológica), família extensa (parentes) ou inserção em família substituta (através da adoção legal). “O abrigamento é medida excepcional e só pode acontecer por dois anos e temos crianças com até 8 anos dentro do abrigo, por isso a importância de acompanhar esse trabalho de perto para fazer o cumprimento da Lei”, ponderou.
A magistrada revelou que os mutirões acontecem a cada 6 meses com audiências realizadas nos espaços físicos das instituições de acolhimento (abrigos) – com a participação das crianças/adolescentes e suas famílias, representantes do Ministério Público, Defensoria Pública e de órgãos governamentais e não- governamentais integrantes do Sistema de Garantia de Direitos (SGD).
Rede proporciona reintegração das famílias
A psicóloga e coordenadora do mutirão judiciário, Teresa Raquel, declarou que o provimento 32 do ano de 2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o art. 19 do ECA preveem uma reavaliação semestral nos abrigos, reunindo outros poderes que possam dar maior celeridade aos processos. Ela destacou que os setores de habitação, emprego e drogas são os principais contribuidores para o baixo percentual de reintegração dos filhos junto as famílias, mas que após a implantação dos mutirões essa realidade vem mudando.
“O prazo tem sido cumprido de uma forma mais rigorosa e por isso estamos trabalhando com a importância e valor da criança e sua família. Assim como com o acompanhamento para que mesmo com todo o suporte que a rede está proporcionando essas famílias não conseguirem reaver seus filhos, vamos procurar um lar substituto para essas crianças”, destacou.
Para ela, a reintegração das famílias realizada pela Vara da Infância e Juventude modifica o perfil da Justiça de não ser tão determinista em prazos, mas agregadora de uma rede de proteção. “Nós precisamos nos sensibilizar e reunir esforços para alcançar êxito na inclusão social dessas crianças, pois muitas vidas dependem da gente”, considerou.
Mutirões têm impacto positivo
Um dos abrigos mais antigos da capital, a Casa Dom Barreto, realiza o trabalho de amparar crianças carentes, para proporcionar a oportunidade de estudar, se alimentar e brincar, há mais de trinta anos. A Casa recebeu a equipe do mutirão durante dois dias para o atendimento das 57 crianças e adolescentes que abriga.
A técnica administrativa Graziela Viana explica que essas crianças e adolescentes vêm de famílias que não têm condições de cuidar delas e, por isso, enquanto são atendidas pela rede de proteção, seus filhos ficam com responsabilidade do abrigo, mas o problema é que acaba demorando muito tempo com a parte processual. Nesse sentindo, as audiências concentradas são um divisor de águas.
“As crianças e pais sentem uma maior agilidade na regularização dos seus processos junto a Justiça. Antigamente, nós passávamos até um ano sem ter nenhuma audiência, mas agora temos pelo menos três vezes ao ano. Dessa forma, temos um trabalho mais de perto, até para que aquela família possa ser chamada para a responsabilidade da criança também”, pontuou.
Graziela Viana acrescentou ainda que a demora em abrigos pode causar prejuízos para a formação pessoal das crianças e adolescentes, mesmo com os cuidados que recebem no local. Segundo ela, diversos processos foram solucionados e muitas crianças foram reintegradas às suas famílias nos últimos anos.
Mães se sentem mais amparadas com mutirões
A dona de casa Valéria Maria perdeu a guarda dos três filhos há dois anos, após tê-los deixado em casa sozinhos para resolver problemas no centro comercial da capital. Ela lembrou que foi denunciada junto ao Conselho Tutelar por seus vizinhos e se viu sem suas crianças. Desde então, ela luta para reaver os pequenos. Ela conta que após a implantação dos mutirões reacendeu a esperança para conseguir levar seus filhos para casa.
“Agora eu me sinto mais amparada para levar eles embora. Tudo será diferente daqui para frente. Eu considero muito importante as orientações que recebemos durante as audiências”, avaliou.
As detentas Vanessa Bezerra e Vânia Bezerra são irmãs e compartilham o drama de verem seus filhos vivendo longe delas há 8 meses, período em que estão reclusas na Penitenciária Feminina do Piauí. Elas participam pela primeira vez da audiência concentrada e afirmam que não têm outros parentes que possam ficar com seus filhos.
“Eu estou na esperança de ser solta o mais rápido possível para poder pegar meus filhos, porque eles só saem do abrigo para morar comigo. Eu não aceito que eles fiquem com outras famílias. Por isso é importante as audiências com os juízes para que possam nos escutar e assim as decisões sejam compartilhadas”, declarou Vanessa Bezerra.