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Coluna do jornalista José Osmando - Brasil em Pauta

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Para produzir gelatina, China está exterminando rebanhos de jumentos

Entenda como a produção de Ejiao na China está dizimando os rebanhos de jumentos no Brasil. Abate, extinção e o que está sendo feito para salvar a espécie

Abate de jumentos no Brasil para produção de gelatina | Reprodução

Para produzir o Ejiao, uma gelatina medicinal feita a partir do colágeno extraído da pele do jumento, a China está há décadas atuando para levar ao fim, definitivamente, os rebanhos desse animal no Brasil. 

Essa gelatina, que é utilizada secularmente pelos chineses para tratar problemas como anemia e para melhorar a circulação sanguínea dos humanos, é feita fervendo  as peles de jumentos para extrair o colágeno e depois é comercializada como barras e pílulas.

A alta demanda por Ejiao tem sido responsável pelo declínio espantoso na população de jumentos em várias partes do mundo, sobretudo no Brasil, onde o abate, infelizmente, é considerado legal em alguns Estados e recentemente o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu manter a permissão para  o abate, justamente na unidade federativa em que a morte desses animais de dá de maneira mais intensa.

Todas as peles dos jumentos abatidos no Brasil seguem majoritariamente para a China, único mercado interessado nas gelatinas delas extraídas. 

Mais de 1 milhão de jumentos foram abatidos entre 1996 e 2025, levando a uma queda de 94% de toda a população desses animais, o que está causando, de modo irreparável, o extermínio da raça no país. 

De acordo com estimativas, o número de jumentos em território brasileiro caiu de 1,37 milhão para apenas 78 mil. Nesse ritmo, não ocorrendo uma interrupção nas mortes, a espécie será 100% extinta antes que se chegue ao ano de 2030. Em menos de cinco anos, portanto, a espécie terá desaparecido.

Isso já ocorreu no Egito, país que já teve o maior plantel de jumentos de todo o continente africano e passou por uma incontrolável pressão dos chineses em torno da pele dos animais, levando ao abate indiscriminado e à extinção da espécie. 

Atualmente há um grupo de pesquisadores, liderado pelo professor Pierre Barnabé Escodro, na Universidade Federal de Alagoas, que integram uma rede mobilizadora contra o abate de jumentos. Em julho deste ano, o grupo esteve reunido em sua terceira semana de estudos e alerta, com cerca de 150 participantes, envolvendo cientistas brasileiros e estrangeiros, tendo discutido entre os temas de sua pauta, diversas estratégias de atuação e a cobrança pela aprovação do Projeto de Lei 1.973/2022, que propõe a proibição do abate em todo o território nacional, e que segue parado no Congresso Nacional. 

No momento, três frigoríficos têm autorização do Serviço de Inspeção Federal (SIF) para abater jumentos no Brasil,  todos localizados no Estado da Bahia, onde se dá praticamente toda a matança nacional. Um aspecto que agrava a situação é a falta de rastreabilidade sobre a cadeia de produção, não existindo qualquer controle sobre os maus tratados e a sanidade animal. 

Trazidos da África para o Brasil pelos portugueses colonizadores, os jumentos logo se adaptaram ao clima e à natureza brasileira, apresentando características fortes e resistentes, assim dando grande contribuição ao trabalho rural, servindo como montaria, tração para arados e para transporte de cargas, essenciais  numa longa época em que não existia mecanização nas atividades agrícolas e pecuárias do Brasil. 

A admiração por esse animal de pequeno porte, mas de grande contribuição ao trabalho humano, notadamente no campo, entrou para a história da música brasileira através de canção do consagrado Luiz Gonzaga. Nos primeiros versos, Gonzagão canta:

"É verdade, meu senhor,

Essa história do sertão

Padre Vieira falou

Que o jumento é nosso irmão."

Essa realidade de agora, para a tristeza, certamente, de Luiz Gonzaga, é que para servir a interesses da tradição medicinal nas lonjuras imensas da China, o jumento, esse "irmão nosso", como ele cantou, está com seus dias contados nas terras brasileiras.

Ainda há esperança de que a adoção de outras iniciativas na produção do colágeno possam se dar em laboratórios, utilizando-se microorganismos geneticamente modificados, como a insulina produzida a partir de células geneticamente modificadas. E como os chineses têm demonstrado competência nos avanços científicos, há de se esperar que consigam, como compensação ao estrago até agora feito, salvar o que resta desses animais.

*** As opiniões aqui contidas não expressam a opinião no Grupo Meio.
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