Discreta, articulada e altamente influente, a chamada bancada das bets tem atuado nos bastidores do Congresso Nacional com um objetivo claro: blindar os interesses das casas de apostas. A força desse grupo se mostrou capaz de transformar uma CPI em pizza e de barrar um aumento de impostos proposto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Segundo levantamento do portal UOL, ao menos 12 parlamentares, seis senadores e seis deputados, integram o núcleo de apoio às empresas de apostas, apresentando emendas, projetos e pareceres favoráveis ao setor. A articulação envolve nomes de diferentes partidos, do PT ao PL, revelando um lobby que ultrapassa fronteiras ideológicas.
O senador Ciro Nogueira (PP-PI), apontado por colegas como o principal articulador da bancada das bets, viajou em jatinho particular para assistir ao Grande Prêmio de Mônaco, o evento mais prestigiado da Fórmula 1. A viagem foi bancada por um empresário do ramo das apostas.
A reportagem indica que a presença de Ciro no evento simboliza o grau de proximidade entre políticos e o setor, que movimenta bilhões anualmente. Apesar da repercussão, o senador não comentou o episódio, assim como os demais citados.
O poder do centrão
Em busca de R$20 bilhões para equilibrar as contas públicas, Fernando Haddad encaminhou ao Congresso uma medida provisória que incluía o aumento do imposto sobre as apostas de 15% para 18%. O texto, no entanto, foi duramente atacado por parlamentares que defendem o setor.
Três emendas apresentadas na Câmara tentaram reduzir ou impedir o aumento tributário. Uma delas, do deputado Gabriel Motta (Republicanos-RR), diminuía a contribuição das bets para a seguridade social. Outra, do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), visava proteger as empresas de “mudanças tributárias inesperadas”.
O relator do projeto, Carlos Zarattini (PT-SP), revelou que foi pressionado a ceder em troca de apoio do centrão, o bloco mais influente da Casa. Com o recuo, o governo abriu mão de R$1,7 bilhão em arrecadação, acreditando garantir a aprovação da MP. No fim, o acordo ruiu e a proposta expirou sem ser votada. O prejuízo total estimado para o governo foi de R$ 20 bilhões.
CPI das Bets
A criação de uma CPI no Senado para investigar o mercado de apostas prometia expor esquemas e irregularidades, mas terminou de forma previsível: em impunidade.
Instalada em novembro de 2023, a comissão teve momentos de tensão, como o pedido de exclusão de Ciro Nogueira após vir à tona sua viagem a Mônaco. O colegiado chegou a receber investigações da Polícia Federal sobre manipulação de resultados, envolvendo inclusive familiares do jogador Bruno Henrique, do Flamengo.
A presidente da CPI, Soraya Thronicke (Podemos-MS), denunciou um “esvaziamento orquestrado” e a interferência de caciques partidários para paralisar os trabalhos. No fim, o relatório final, que pedia o indiciamento de 16 pessoas, entre elas o dono do jatinho de Ciro, foi rejeitado por 4 votos a 3.
Os senadores Angelo Coronel (PSD-BA), Eduardo Gomes (PL-TO), Efraim Filho (União-PB) e Professora Dorinha Seabra (União-TO) votaram pelo arquivamento, enterrando o relatório e encerrando a investigação sem qualquer responsabilização.
Denúncia de propina na Câmara
Na Câmara dos Deputados, outra CPI também terminou sem resultados concretos e envolta em acusações. O ex-assessor especial do Ministério da Fazenda José Francisco Manssur afirmou que o deputado Felipe Carreras (PSB-PE) teria pedido R$ 35 milhões em propina para proteger o setor durante as investigações.
O valor, segundo Manssur, teria sido solicitado ao presidente da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), Wesley Cardia. A denúncia foi revelada pela revista Veja em setembro de 2023.
Carreras, que era relator da CPI, negou categoricamente as acusações. Disse ter se reunido com representantes das bets, mas classificou a denúncia como uma “grande injustiça”. Não foram apresentadas provas concretas do suposto pedido, mas o episódio levou o senador Eduardo Girão (Novo-CE) a acionar o Ministério Público.
Apesar das suspeitas e escândalos, o lobby das apostas segue exercendo influência decisiva em Brasília. Em poucos meses, o grupo conseguiu barrar aumento de impostos, desmobilizar CPIs e preservar seus interesses bilionários, consolidando-se como uma das forças mais poderosas e discretas do Congresso Nacional.