A Câmara Municipal de Rio Claro, no interior de São Paulo, revogou uma legislação que proibia o consumo de melancia no município há mais de 130 anos. A decisão encerra um dos episódios mais curiosos da história legislativa brasileira e elimina uma norma que, apesar de esquecida pela população, ainda constava oficialmente nos registros da cidade.
O projeto de revogação foi apresentado pelo vereador Julinho Lopes (PP), vice-presidente da Casa de Leis, e aprovado por unanimidade. Com isso, foi extinta definitivamente a Resolução de 30 de novembro de 1894, assinada pelo então gestor municipal Marcelo Schmidt.
Lei surgiu em meio a surtos de doenças no século XIX
A norma de 1894 proibia a venda de melancias e de outras frutas consideradas, à época, prejudiciais à saúde pública. O contexto histórico ajuda a entender a medida: o Brasil enfrentava surtos severos de febre amarela, além de outras doenças infecciosas que provocavam elevada mortalidade.
Naquele período, autoridades acreditavam, de forma equivocada, que o consumo de frutas como a melancia poderia facilitar a propagação de enfermidades como cólera e tifo, especialmente em cidades com saneamento básico precário. A ausência de conhecimento científico sobre os reais meios de transmissão das doenças levou gestores municipais a adotarem medidas extremas baseadas em suposições.
A legislação previa multa de 5 mil réis, valor considerado elevado para os padrões do século XIX, como forma de coibir o consumo da fruta. A penalidade reforçava o temor das autoridades em relação à suposta ameaça que a melancia representaria à saúde da população.
O documento original, escrito à mão, está preservado no Livro do Tombo 1, que integra o acervo do Arquivo Público e Histórico de Rio Claro. A conservação do material permite compreender práticas sanitárias e decisões administrativas adotadas há mais de um século.
Ao justificar a revogação, Julinho Lopes afirmou que a norma perdeu eficácia e se tornou obsoleta diante dos costumes da sociedade atual. Além disso, destacou que a lei não foi recepcionada pela nova ordem constitucional brasileira, o que motivou a necessidade de sua extinção formal.
Segundo o parlamentar, a resolução refletia o cenário sanitário do fim do século XIX, quando surtos de doenças eram frequentes. Apesar de já ser uma potência regional naquele período, Rio Claro enfrentava sérias limitações estruturais, especialmente relacionadas ao saneamento, o que levou o poder público a adotar medidas hoje consideradas curiosas ou inadequadas.